São Paulo, sábado, 26 de fevereiro de 2005

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ROMANCE/"ENCONTRO EM SAMARRA"

Obra traz realismo tardio de O'Hara

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Ficar completamente bêbado numa festa de fim de ano e jogar o conteúdo de um copo de uísque na cara de um parceiro comercial não é boa idéia em lugar nenhum do mundo. Mas, se o caso ocorrer numa cidadezinha americana mergulhada no conservadorismo e na fofoca, se o autor da proeza é um revendedor de automóveis de luxo e se os tempos andam péssimos para os negócios -os efeitos da crise de 1929 começam a se fazer sentir-, está aberto o caminho para uma desgraça social completa.
Num tom de dolorosa objetividade, este romance de John O'Hara acompanha o destino do jovem, bem casado e esnobe Julian English depois do incidente com o copo de uísque no Clube de Campo Lantenengo, o lugar onde se reúne a elite de Gibbsville, na Pensilvânia.
Apesar do seu título, "Encontro em Samarra" não tem nada de árabe ou de iraquiano. O nome exótico se explica na epígrafe do livro, tirada de uma narrativa oriental de Somerset Maugham: no mercado de Bagdá, o servo de um rico mercador se vê empurrado por uma mulher ameaçadora. É a Morte. O servo cuida de fugir para outra cidade, Samarra. Mais tarde, o mercador encontra a Morte e pergunta-lhe por que fez um gesto ameaçador para seu servo. A Morte responde: "Não foi um gesto ameaçador, era uma reação de surpresa. Fiquei atônita de vê-lo em Bagdá, já que tenho um encontro marcado com ele esta noite, em Samarra".
Considerado um mestre da narrativa curta -publicou cerca de 200 contos na revista "New Yorker"-, O'Hara (1905-1970) é um representante um pouco tardio do realismo literário americano dos anos 20 e 30. Menos conhecido do que John Steinbeck, Sinclair Lewis ou Scott Fitzgerald, só agora é traduzido no Brasil. Não sem alguns percalços. Mas várias referências localizadas à cultura americana e aos costumes da época -gírias, siglas, nomes de celebridades e pratos de comida- são entretanto esclarecidas em eficientes notas de rodapé.
A ambição deste primeiro romance de O'Hara, publicado em 1934, não é apenas se concentrar na tragédia alcoólica de Julian English mas de traçar um panorama sociológico bem mais completo de uma, vá lá o clichê, "típica cidadezinha americana". O mexerico ocupa, às vezes, um peso excessivo na narração, e o distanciamento "clínico" de O'Hara não contribui para nossa simpatia pelos personagens. Como romance e como documento social, "Samarra" não deixa de ser um exemplo admirável de uma tradição realista que até hoje -em autores como John Updike, que aliás prefacia esta edição- se mantém fértil na literatura norte-americana.
Encontro em Samarra
    
Autor: John O'Hara
Editora: Ediouro
Quanto: R$ 39,90 (259 págs.)

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