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ROMANCE/"ENCONTRO EM SAMARRA"
Obra traz realismo tardio de O'Hara
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Ficar completamente bêbado
numa festa de fim de ano e jogar o conteúdo de um copo de
uísque na cara de um parceiro comercial não é boa idéia em lugar
nenhum do mundo. Mas, se o caso ocorrer numa cidadezinha
americana mergulhada no conservadorismo e na fofoca, se o autor da proeza é um revendedor de
automóveis de luxo e se os tempos andam péssimos para os negócios -os efeitos da crise de
1929 começam a se fazer sentir-,
está aberto o caminho para uma
desgraça social completa.
Num tom de dolorosa objetividade, este romance de John O'Hara acompanha o destino do jovem, bem casado e esnobe Julian
English depois do incidente com
o copo de uísque no Clube de
Campo Lantenengo, o lugar onde
se reúne a elite de Gibbsville, na
Pensilvânia.
Apesar do seu título, "Encontro
em Samarra" não tem nada de
árabe ou de iraquiano. O nome
exótico se explica na epígrafe do
livro, tirada de uma narrativa
oriental de Somerset Maugham:
no mercado de Bagdá, o servo de
um rico mercador se vê empurrado por uma mulher ameaçadora.
É a Morte. O servo cuida de fugir
para outra cidade, Samarra. Mais
tarde, o mercador encontra a
Morte e pergunta-lhe por que fez
um gesto ameaçador para seu servo. A Morte responde: "Não foi
um gesto ameaçador, era uma
reação de surpresa. Fiquei atônita
de vê-lo em Bagdá, já que tenho
um encontro marcado com ele esta noite, em Samarra".
Considerado um mestre da narrativa curta -publicou cerca de
200 contos na revista "New Yorker"-, O'Hara (1905-1970) é um
representante um pouco tardio
do realismo literário americano
dos anos 20 e 30. Menos conhecido do que John Steinbeck, Sinclair
Lewis ou Scott Fitzgerald, só agora é traduzido no Brasil. Não sem
alguns percalços. Mas várias referências localizadas à cultura americana e aos costumes da época
-gírias, siglas, nomes de celebridades e pratos de comida- são
entretanto esclarecidas em eficientes notas de rodapé.
A ambição deste primeiro romance de O'Hara, publicado em
1934, não é apenas se concentrar
na tragédia alcoólica de Julian English mas de traçar um panorama
sociológico bem mais completo
de uma, vá lá o clichê, "típica cidadezinha americana". O mexerico
ocupa, às vezes, um peso excessivo na narração, e o distanciamento "clínico" de O'Hara não contribui para nossa simpatia pelos personagens. Como romance e como
documento social, "Samarra" não
deixa de ser um exemplo admirável de uma tradição realista que
até hoje -em autores como John
Updike, que aliás prefacia esta
edição- se mantém fértil na literatura norte-americana.
Encontro em Samarra
Autor: John O'Hara
Editora: Ediouro
Quanto: R$ 39,90 (259 págs.)
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