São Paulo, terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

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análise

No palco, ex-hippies pareciam republicanos

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Entrevistado pela CNN às vésperas da cerimônia de entrega do Oscar, o ator inglês Ben Kingsley explicou por que não gosta de acompanhar a transmissão. "Não é um show sobre um vencedor, mas sobre quatro derrotados", disse ele.
Kingsley experimentou o sabor da vitória por "Gandhi" (1982) e sentiu o da derrota por "Bugsy" (1991), "Sexy Beast" (2000) e "Casa de Areia e Névoa" (2003).
De fato, há uma dose de sadismo na exposição dos cinco indicados, em suas poltronas, confortados pelos acompanhantes enquanto aguardam a abertura do envelope com o resultado. Só escapa do constrangimento quem prefere ficar em casa, como Woody Allen fez nas 21 ocasiões em que disputou o prêmio (com três vitórias), e acaba substituído por uma foto no mosaico dos rostos em disfarçada expectativa.
O apelo funciona apenas para figuras que o espectador seja capaz de reconhecer, o que reduz o show dos derrotados às categorias dos atores e direção. Se é o que no fundo interessa, talvez seja a hora de a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood se inspirar no enxuto prêmio do Screen Actors Guild, o sindicato dos atores, e abreviar a cerimônia para manter a audiência.

Ritmo apressado
Foi notável o esforço, neste ano, para apressar o ritmo e reduzir ao máximo os tempos vazios provocados pelos prêmios obscuros. Ainda assim, a quantidade de categorias e a enfadonha apresentação das canções indicadas tornaram muito difícil a compactação. Para complicar, a greve dos roteiristas espremeu em duas semanas o período de redação do programa e expôs um acabamento mais bruto do que o habitual.
Paralelamente, havia o 80º aniversário a comemorar com a apresentação de quadros especiais. A tentativa de reverenciar os ídolos do passado enquanto se valorizavam os do presente deu a impressão de que o conceito da cerimônia deste ano foi trabalhado de maneira apressada, sem que as conexões entre uma coisa e outra sustentassem todo o programa.
Não deixa de ser curioso que essa estrutura solene e anacrônica, sobretudo para o espectador jovem do século 21, tenha ainda o poder de se sobrepor a qualquer ameaça de rebeldia, por mais comportada que seja.
Foi o Oscar dos irmãos Coen, os responsáveis por filmes dissonantes como "Gosto de Sangue" (1984) e "O Grande Lebowski" (1998). No entanto, no palco, eles pareciam ex-hippies que se transformaram em republicanos e trabalham em Wall Street.
Cabe a novos talentos como Diablo Cody, a tatuada roteirista de "Juno", apontar no futuro para um outro cenário, em que as piadas políticas do apresentador não sejam o único respiro de vida em um ambiente com cheiro de naftalina. Afinal, o negócio deles não é o show business?


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