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Comentário
Seria mais divertido convidar Steven Seagal
CARLOS REICHENBACH
ESPECIAL PARA A FOLHA
A noite do Oscar, observada
em dois tempos.
Antes da cerimônia
Alguma razão especial para
ficar, neste ano, acordado até as
2h da madrugada assistindo à
noite de gala da indústria do cinema americano? Algum brasileiro concorrendo? Algum diretor cultuado a ser reconhecido? Algum filme revolucionário e/ ou deflagrador entre os
indicados? Algum concorrente
a filme estrangeiro apto a fazer
história? Alguma vestal deslumbrante que mereça a expectativa sáfica de uma entrada
triunfal?
Sem hipocrisia: vi, durante a
vida, mais de 40 entregas de estatuetas, algumas com especial
interesse e curiosidade.
Em Dois Córregos, durante
as filmagens do meu longa de
mesmo nome, passei a madrugada inteira, com Carlos Alberto Riccelli e Ivan Lins, torcendo
por um prêmio ao polêmico "O
que É Isso, Companheiro?".
Ora, por mais aguçados que
sejam os nossos crivos críticos,
há ocasiões em que os brios nacionalistas falam mais alto. Algum imbecil achou justo Fernanda Montenegro sair sem a
estatueta?
Não é novidade. Todo mundo
acha a noite do Oscar um porre.
Os números musicais são enfadonhos, os agradecimentos, óbvios; as piadas, patéticas; e o curinga da festa -desde a saída de
Billy Crystal- sempre mal escolhido.
Será que não aprenderam até
hoje que a graça e o diferencial,
em solenidades desse tipo, é
sempre o apresentador? Neste
quesito, a tradição é essencial.
Brasília sem o saudoso Eduardo Conde e Gramado sem Tânia Carvalho perderam muito
do élan e da simpatia.
Enfim, os momentos mais
memoráveis sempre ficaram
por conta dos homenageados
honorários: Chaplin, Kurosawa, Ingmar Bergman, Billy Wilder, Blake Edwards (com sua
antológica entrada de palco).
Até a discutível manifestação
de desagravo do público à premiação de Elia Kazan -com
um constrangido Scorsese em
cena- foi o ponto alto de uma
das festas. Em 2008, nem isso
se poderia esperar.
Será que os acadêmicos de
Hollywood nunca ouviram falar em Claude Chabrol, Manoel
de Oliveira ou Nelson Pereira
dos Santos?
Depois da cerimônia
Duas horas da manhã do dia
25 de fevereiro, três horas e
meia de enfado e algumas questões incômodas:
1. Quem é esse tal de Jon Stewart? Algum "BBB" norte-americano travestido de apresentador?
2. Quem escolhe as canções
que concorrem na categoria?
Algum deficiente auditivo?
Sem hipocrisia, bis: neste
ano, a bilionária festinha passou dos limites. Se excetuados
os dois prêmios de atriz, que
realmente surpreenderam, o
evento foi tão protocolar quanto uma colação de grau.
Uma coisa é certa: teria sido
mais divertido convidar o Steven Seagal para ser o mestre-de-cerimônias.
Chistes à parte, convenhamos: é sensato cobrar exaustivamente dos nossos nativos subir ao palco do teatro Kodak?
Será que um Oscar dará aos
meus netos mais credibilidade
à profissão exercida pelo avô?
No dia em que tiverem acesso ilimitado a obras como "Limite", "Vidas Secas", "Deus e o
Diabo na Terra do Sol", "São
Paulo S/A", "O Bandido da Luz
Vermelha", "Augusto Matraga"
e -por que não- "Alma Corsária", eles, na certa, irão se dar
conta de que o cinema é resultante de uma inquietação, de
uma angústia renitente e da necessidade de compreensão do
tempo, da história e das limitações de quem o realiza.
O resto é verniz, fetiche ou
bibelô de prateleira. Como o tal
troféu de bundinha grande, que
a atriz Tilda Swinton disse ser a
cara de seu agente americano.
CARLOS REICHENBACH é cineasta. Dirigiu
"Anjos do Arrabalde" (1986), "Alma Corsária"
(1994), "Garotas do ABC" (2003), entre outros.
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