São Paulo, terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

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Comentário

Seria mais divertido convidar Steven Seagal

CARLOS REICHENBACH
ESPECIAL PARA A FOLHA

A noite do Oscar, observada em dois tempos.


Antes da cerimônia
Alguma razão especial para ficar, neste ano, acordado até as 2h da madrugada assistindo à noite de gala da indústria do cinema americano? Algum brasileiro concorrendo? Algum diretor cultuado a ser reconhecido? Algum filme revolucionário e/ ou deflagrador entre os indicados? Algum concorrente a filme estrangeiro apto a fazer história? Alguma vestal deslumbrante que mereça a expectativa sáfica de uma entrada triunfal?
Sem hipocrisia: vi, durante a vida, mais de 40 entregas de estatuetas, algumas com especial interesse e curiosidade.
Em Dois Córregos, durante as filmagens do meu longa de mesmo nome, passei a madrugada inteira, com Carlos Alberto Riccelli e Ivan Lins, torcendo por um prêmio ao polêmico "O que É Isso, Companheiro?".
Ora, por mais aguçados que sejam os nossos crivos críticos, há ocasiões em que os brios nacionalistas falam mais alto. Algum imbecil achou justo Fernanda Montenegro sair sem a estatueta?
Não é novidade. Todo mundo acha a noite do Oscar um porre.
Os números musicais são enfadonhos, os agradecimentos, óbvios; as piadas, patéticas; e o curinga da festa -desde a saída de Billy Crystal- sempre mal escolhido.
Será que não aprenderam até hoje que a graça e o diferencial, em solenidades desse tipo, é sempre o apresentador? Neste quesito, a tradição é essencial.
Brasília sem o saudoso Eduardo Conde e Gramado sem Tânia Carvalho perderam muito do élan e da simpatia.
Enfim, os momentos mais memoráveis sempre ficaram por conta dos homenageados honorários: Chaplin, Kurosawa, Ingmar Bergman, Billy Wilder, Blake Edwards (com sua antológica entrada de palco).
Até a discutível manifestação de desagravo do público à premiação de Elia Kazan -com um constrangido Scorsese em cena- foi o ponto alto de uma das festas. Em 2008, nem isso se poderia esperar.
Será que os acadêmicos de Hollywood nunca ouviram falar em Claude Chabrol, Manoel de Oliveira ou Nelson Pereira dos Santos?

Depois da cerimônia
Duas horas da manhã do dia 25 de fevereiro, três horas e meia de enfado e algumas questões incômodas: 1. Quem é esse tal de Jon Stewart? Algum "BBB" norte-americano travestido de apresentador?
2. Quem escolhe as canções que concorrem na categoria?
Algum deficiente auditivo? Sem hipocrisia, bis: neste ano, a bilionária festinha passou dos limites. Se excetuados os dois prêmios de atriz, que realmente surpreenderam, o evento foi tão protocolar quanto uma colação de grau.
Uma coisa é certa: teria sido mais divertido convidar o Steven Seagal para ser o mestre-de-cerimônias. Chistes à parte, convenhamos: é sensato cobrar exaustivamente dos nossos nativos subir ao palco do teatro Kodak?
Será que um Oscar dará aos meus netos mais credibilidade à profissão exercida pelo avô?
No dia em que tiverem acesso ilimitado a obras como "Limite", "Vidas Secas", "Deus e o Diabo na Terra do Sol", "São Paulo S/A", "O Bandido da Luz Vermelha", "Augusto Matraga" e -por que não- "Alma Corsária", eles, na certa, irão se dar conta de que o cinema é resultante de uma inquietação, de uma angústia renitente e da necessidade de compreensão do tempo, da história e das limitações de quem o realiza.
O resto é verniz, fetiche ou bibelô de prateleira. Como o tal troféu de bundinha grande, que a atriz Tilda Swinton disse ser a cara de seu agente americano.


CARLOS REICHENBACH é cineasta. Dirigiu "Anjos do Arrabalde" (1986), "Alma Corsária" (1994), "Garotas do ABC" (2003), entre outros.


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