São Paulo, Sexta-feira, 26 de Fevereiro de 1999
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CINEMA - "TRAIÇÃO"
Fernanda Torres é destaque do filme

da Redação

Os filmes de episódios são ótimas maneiras de começar uma carreira na direção, já que os riscos são divididos por três, enquanto a chance de o espectador gostar de pelo menos um deles multiplica-se na mesma proporção.
Ao mesmo tempo, o média-metragem coloca questões narrativas semelhantes às do longa, distinguindo-se assim do curta-metragem. Além disso, os diretores de "Traição" -Arthur Fontes, Claudio Torres e José Henrique Fonseca- partem da base mais sólida que existe no Brasil: textos de Nelson Rodrigues.
Dos três episódios, o mais próximo do espírito rodriguiano é "O Primeiro Pecado", que abre o filme. Ali, Pedro Cardoso é um homem de poucas aventuras na vida, que em dado momento topa com uma bela mulher casada (Fernanda Torres). À parte a ironia que vai caracterizar o desenvolvimento do episódio, "O Primeiro Pecado" mostra com muita felicidade uma instituição nacional, que é a falação entre os homens -esse hábito de contar vantagem a respeito de suas aventuras amorosas, mesmo que acrescentando a elas uma boa dose de fantasia.
O episódio é menos feliz nas sequências em preto-e-branco, que descrevem os devaneios do protagonista a respeito da vida conjugal da mulher em questão. Em troca, se dá muito bem na visada do universo masculino.
"Diabólica" ganhou um polêmico prêmio de direção no último Festival de Brasília, já que causou estranheza o fato de um prêmio dessa ordem ir para o diretor de um episódio. O enredo trata do ciúme doentio que a irmã mais velha (Fernanda Torres) sente em relação à mais nova (Ludmila Dayer), uma adolescente que dá em cima de seu noivo (Daniel Dantas).
O roteiro, o mais bem construído dos três, apropria-se das tensões paradoxais próprias de Nelson Rodrigues para criar uma atmosfera de filme de terror, em que o ciúme da irmã mais velha projeta na mais nova características verdadeiramente diabólicas.
Se faz um trabalho notável de direção de atores (de atrizes, sobretudo), a opção de mise-en-scène de Claudio Torres (irmão de Fernanda) parece menos feliz. Tanto a luz quanto o trabalho de câmera rejeitam a tradição do filme de terror -que é mais seca, direta- e acata a do filme publicitário.
Dá a impressão de que estamos vendo um longo anúncio de TV -laborioso, privilegiando os efeitos em detrimento daquilo que tem a dizer. O que é compensado pelos poucos segundos em que o trabalho de Torres chega aonde parece querer chegar: a evocação de "O Exorcista".
Talvez isso não seja pouco. Demonstra que Claudio Torres domina bem a arte dos efeitos e que o tempo pode bem propiciar-lhe o resto: uma proposta mais pessoal e um estilo mais despojado.
O terceiro episódio, "Cachorro!", de José Henrique Fonseca, é o menos feliz dos três. O roteiro, bastante convencional, gira em torno de um homem que encontra a mulher em um hotel com seu melhor amigo. De longe, o mais interessante são os momentos de humor propiciados pela intrusão de um garçom. Em troca, os atores não parecem inteiramente convencidos de que todo o resto da situação esteja mais para tragédia do que para comédia, o que prejudica o balanço entre os gêneros.
A notar, por fim, a presença de Fernanda Torres (mais do que Fernanda Montenegro, que aparece por poucos instantes), nos dois episódios em que trabalha. Livre do hábito de aparentar superioridade em relação aos personagens que interpreta, é uma atriz como poucas. (INÁCIO ARAUJO)

Filme: Traição Produção: Brasil, 1998 Direção: Arthur Fontes, Claudio Torres e José Henrique Fonseca Com: Pedro Cardoso, Fernanda Torres, Alexandre Borges e outros Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco 4, SP Market 5 e Interlar Aricanduva 9


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