São Paulo, segunda-feira, 26 de março de 2001

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LITERATURA

"Villa Kyrial" parte das atividades do mecenas cultural Freitas Valle

Volume transporta leitor à belle époque paulistana

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Sai hoje, da avenida Paulista, no centro de São Paulo, uma expedição à longínqua Villa Kyrial. Os passageiros dessa viagem não vão pegar estradas nem ferrovias, nem barcos ou aviões.
A Villa Kyrial fica no passado. Para alcançá-la, agora, só mesmo com um livro que está sendo lançado hoje na livraria Cultura.
"Villa Kyrial - Crônica da Belle Époque Paulistana", da jornalista e historiadora Marcia Camargos, reergue de modo saboroso as demolidas paredes desse importante e desconhecido capítulo da história de São Paulo.
Com esse nome que hoje evoca algo como um bairro de uma cidade interplanetária, a Villa era uma espécie de chácara que funcionava como ponto de encontro da elite dos intelectuais paulistanos do início do século 20.
Não havia mários e oswalds que não soubessem o endereço: rua Domingos de Moraes, número 10. O espaçoso casarão, símbolo do refinamento e do glamour até os anos 30, foi demolido, sendo ocupado hoje por um supermercado da rede Barateiro.
Implosão maior viveu a imagem do idealizador da Villa, o advogado, político e intelectual José de Freitas Valle (1870-1958).
É ele o norte do trabalho de Marcia Camargos -que também assina, com Vladimir Sacchetta, colaborador neste livro, e Carmen Lucia Azevedo a premiada biografia de Monteiro Lobato "Furacão na Botocúndia".
Ela começou sua pesquisa em meados dos anos 70 e concluiu no ano passado um doutorado em história na Universidade de São Paulo sobre o assunto.
A tese da autora tem como lastro a atuação de Freitas Valle como fomentador cultural (pode-se dizer mecenas) e como cultor raro no Brasil de um estilo de vida afinado com a chamada belle époque européia.
Na Villa Kyrial, cercado dos intelectuais da época, Freitas Valle levava adiante a "estetização da vida".
Usando pseudônimos como Maître Jean Jean, que usava para cozinhar, Jacques D'Avray, com o qual escrevia poemas, todos em francês, ou Freval, sua faceta "manipulador de perfumes", ele se cercava da melhor decoração, das melhores iguarias combinadas aos melhores vinhos, da melhor poesia lida pelos melhores autores, da melhor música apresentada pelos melhores instrumentistas e de muitos "melhores" afora.
O incentivo a essas elites intelectuais-artísticas não ficava apenas dentro do terreno da Kyrial.
Além de financiar do próprio bolso exposições pioneiras como a primeira mostra de Lasar Segall, em 1913, o deputado e depois senador José de Freitas Valle era também o articulador dos raros incentivos estatais à produção cultural.
Era ele que controlava quem ganharia as bolsas do Pensionato Artístico do Estado de São Paulo, programa que mantinha jovens talentos artísticos estudando na Europa por até sete anos.
Maestros como Francisco Mignone e Sousa Lima e artistas como Victor Brecheret e Anita Malfatti foram alguns dos contemplados, todos eles com empurrões de Freitas Valle.
Dessas e de tantas outras histórias difíceis de resumir, a melhor definição é a de Antonio Candido, um dos principais críticos brasileiros. "Este livro é de grande importância para a história cultural de São Paulo e recupera de maneira exemplar uma personalidade injustamente esquecida, José de Freitas Valle", escreve na apresentação do volume.

Livro: Villa Kyrial - Crônica da Belle Époque Paulistana
Autora: Marcia Camargos
Editora: Senac São Paulo
Quanto: R$ 30 (254 págs.)
Lançamento: hoje, a partir das 18h30
Onde: livraria Cultura (av. Paulista, 2.073, tel. 0/xx/11/285-4033)



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