São Paulo, sexta-feira, 26 de março de 2004

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"SOB A NÉVOA DA GUERRA"

Vencedor do Oscar de melhor documentário busca retrato humano de Robert McNamara

Longa investiga "vontade de guerra" dos EUA

CRÍTICO DA FOLHA

Durante anos, a Academia de Hollywood ignorou Errol Morris. A sucessiva não-indicação dos filmes do diretor, considerado um dos melhores documentaristas americanos em atividade, provocou mudanças no processo de votação da categoria e, neste ano, enfim, com o excepcional "Sob a Névoa da Guerra", Morris levou para casa seu Oscar de melhor documentário.
Ao subir no palco para receber a estatueta, o cineasta foi um dos poucos que se pronunciaram contra a guerra no Iraque e o governo Bush: "Este país me enlouquece. Os Estados Unidos estão mais polarizados agora do que nunca, talvez mais até do que nos piores momentos da Guerra do Vietnã. Existe uma completa desconecção entre o governo e boa parte dos americanos", disse Morris em conversa com a Folha, comentando seu discurso.
Curiosamente, "Sob a Névoa da Guerra" rendeu ao diretor ataques furiosos de setores da esquerda. Ele foi acusado de, com o filme, dar voz a um monstro da direita, a um "mentiroso compulsivo e dissumulador" (segundo artigo de Eric Alterman contra "Sob a Névoa da Guerra" publicado no jornal "The Nation", ao qual o documentarista respondeu com igual veemência).
Morris, é claro, esperava a controvérsia. "Busquei um retrato mais humano, ainda que não necessariamente simpático, de uma das figuras mais polêmicas da história recente dos Estados Unidos. Não seria possível sair intacto dessa escolha", disse.
A opção pela figura de Robert McNamara, que foi secretário de Segurança dos EUA durante a Guerra do Vietnã e tomou boa parte do crédito pelo massacre dos soldados americanos, veio de duas necessidades. A primeira foi comentar a "vontade de guerra" de seu país num momento de triste recrudescimento da política externa predatória. A segunda foi a leitura dos livros de McNamara, principalmente "In Retrospect: The Tragedies and Lessons of Vietnam", em que Morris viu muito mais traços de uma autobiografia disfarçada do que o revisionismo histórico a que o livro se propunha.
De fato, o que se vê em "Sob a Névoa da Guerra" é o retrato de um homem atormentado, louco para expiar um pouco de sua culpa e, talvez por isso mesmo, sendo capaz de produzir um balanço de vida com raro grau de franqueza e de reconhecimento dos erros. Vê-se, em alguns momentos, as conseqüências devastadoras que determinadas opções de vida de McNamara tiveram, por exemplo, em sua família.
Morris consegue não fazer de seu filme um retrato redutor e simplista. Se ele claramente simpatiza com seu objeto, não necessariamente compartilha (ou cede à tentação de se solidarizar) com suas idéias. A complexidade não é abandonada em nível nenhum, seja no texto, na montagem, nas poucas perguntas que são feitas, na escolha das imagens e até no uso da trilha sonora original, composta por Phillip Glass.
Mas esse aspecto confessional e biográfico é somatório ao que o documentário tem de mais importante, que é a revelação de informações inéditas sobre a participação dos Estados Unidos na Segunda Guerra (sobretudo nos ataques contra o Japão) e na própria Guerra do Vietnã. Entre os grandes trunfos do filme, está a revelação de conversas telefônicas entre McNamara e os presidentes John Kennedy e Lyndon Johnson.
Trata-se, enfim, de um documentário essencial para uma melhor compreensão do que se passou nos Estados Unidos e que não está tão distante assim do que está se passando hoje.
(PEDRO BUTCHER)


Sob a Névoa da Guerra
The Fog of War
    
Produção: EUA, 2003
Direção: Errol Morris
Quando: a partir de hoje nos cines Top Cine 1, Frei Caneca Unibanco Arteplex 9 e Lumière 2



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