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"SOB A NÉVOA DA GUERRA"
Vencedor do Oscar de melhor documentário busca retrato humano de Robert McNamara
Longa investiga "vontade de guerra" dos EUA
CRÍTICO DA FOLHA
Durante anos, a Academia
de Hollywood ignorou Errol
Morris. A sucessiva não-indicação dos filmes do diretor, considerado um dos melhores documentaristas americanos em atividade, provocou mudanças no
processo de votação da categoria
e, neste ano, enfim, com o excepcional "Sob a Névoa da Guerra",
Morris levou para casa seu Oscar
de melhor documentário.
Ao subir no palco para receber a
estatueta, o cineasta foi um dos
poucos que se pronunciaram
contra a guerra no Iraque e o governo Bush: "Este país me enlouquece. Os Estados Unidos estão
mais polarizados agora do que
nunca, talvez mais até do que nos
piores momentos da Guerra do
Vietnã. Existe uma completa desconecção entre o governo e boa
parte dos americanos", disse
Morris em conversa com a Folha,
comentando seu discurso.
Curiosamente, "Sob a Névoa da
Guerra" rendeu ao diretor ataques furiosos de setores da esquerda. Ele foi acusado de, com o
filme, dar voz a um monstro da
direita, a um "mentiroso compulsivo e dissumulador" (segundo
artigo de Eric Alterman contra
"Sob a Névoa da Guerra" publicado no jornal "The Nation", ao
qual o documentarista respondeu
com igual veemência).
Morris, é claro, esperava a controvérsia. "Busquei um retrato
mais humano, ainda que não necessariamente simpático, de uma
das figuras mais polêmicas da história recente dos Estados Unidos.
Não seria possível sair intacto
dessa escolha", disse.
A opção pela figura de Robert
McNamara, que foi secretário de
Segurança dos EUA durante a
Guerra do Vietnã e tomou boa
parte do crédito pelo massacre
dos soldados americanos, veio de
duas necessidades. A primeira foi
comentar a "vontade de guerra"
de seu país num momento de triste recrudescimento da política externa predatória. A segunda foi a
leitura dos livros de McNamara,
principalmente "In Retrospect:
The Tragedies and Lessons of
Vietnam", em que Morris viu
muito mais traços de uma autobiografia disfarçada do que o revisionismo histórico a que o livro se
propunha.
De fato, o que se vê em "Sob a
Névoa da Guerra" é o retrato de
um homem atormentado, louco
para expiar um pouco de sua culpa e, talvez por isso mesmo, sendo
capaz de produzir um balanço de
vida com raro grau de franqueza e
de reconhecimento dos erros. Vê-se, em alguns momentos, as conseqüências devastadoras que determinadas opções de vida de
McNamara tiveram, por exemplo, em sua família.
Morris consegue não fazer de
seu filme um retrato redutor e
simplista. Se ele claramente simpatiza com seu objeto, não necessariamente compartilha (ou cede
à tentação de se solidarizar) com
suas idéias. A complexidade não é
abandonada em nível nenhum,
seja no texto, na montagem, nas
poucas perguntas que são feitas,
na escolha das imagens e até no
uso da trilha sonora original,
composta por Phillip Glass.
Mas esse aspecto confessional e
biográfico é somatório ao que o
documentário tem de mais importante, que é a revelação de informações inéditas sobre a participação dos Estados Unidos na
Segunda Guerra (sobretudo nos
ataques contra o Japão) e na própria Guerra do Vietnã. Entre os
grandes trunfos do filme, está a
revelação de conversas telefônicas
entre McNamara e os presidentes
John Kennedy e Lyndon Johnson.
Trata-se, enfim, de um documentário essencial para uma melhor compreensão do que se passou nos Estados Unidos e que não
está tão distante assim do que está
se passando hoje.
(PEDRO BUTCHER)
Sob a Névoa da Guerra
The Fog of War
Produção: EUA, 2003
Direção: Errol Morris
Quando: a partir de hoje nos cines Top
Cine 1, Frei Caneca Unibanco Arteplex 9 e
Lumière 2
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