São Paulo, segunda-feira, 26 de março de 2007

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Crítica/"Nas Terras do Bem-Virá"

Filme exibe Pará "de faroeste"

"Nas Terras do Bem-Virá" mostra realidade de conflitos agrários com brasileiros "que não existem"

THIAGO REIS
DA AGÊNCIA FOLHA

Uma terra sem leis, onde contratar um pistoleiro é mais fácil que apanhar um táxi e onde os homens estão fadados à escravidão e as mulheres, à prostituição.
É esse o Pará retratado no documentário "Nas Terras do Bem-Virá". O filme descreve a ocupação no Estado desde a construção da Transamazônica, no regime militar, até hoje.
E cumpre, em parte, o papel de mostrar o conflito agrário e suas extensões. O único problema é que o filme tem um lado só. Chega até a ouvir fazendeiros, mas, com tantos entrevistados -entre agentes pastorais, trabalhadores rurais, religiosos e sociólogos-, não há autoridade para dar explicações.
Isso não invalida o trabalho de campo. O documentário tem o mérito de encontrar personagens que presenciaram o massacre de Eldorado dos Carajás, quando policiais militares mataram 19 sem-terra, em 1996.
Um deles, o Gaúcho, lembra como se salvou após levar nove tiros e ficar com um fuzil apontado para a cabeça. É que um comandante da PM que freqüentava seu boteco o reconheceu e o deixou fugir.
O que o filme faz de melhor é justamente isso: contar histórias de "brasileiros que não existem" e "que o IBGE nunca vai encontrar", como diz um dos personagens ouvidos.
São pessoas que deixam suas famílias para trabalhar em condições subumanas a donos de propriedades que se intitulam desbravadores da Amazônia.
No trem da Companhia Vale do Rio Doce, que corta a Amazônia, nordestinos chegam ao Pará, mas não voltam. Viram escravos e não têm dinheiro para se libertar. Morrem. E ninguém fica sabendo. As mulheres, sem outra opção, viram prostitutas. A palavra que mais se ouve é "impunidade".
"Nas Terras do Bem-Virá" não chega a ser um filme revelador, já que a repercussão do assassinato da missionária Dorothy Stang, em Anapu, conseguiu há dois anos escancarar a "realidade de faroeste" do Pará.
Mas é uma radiografia da região e um filme atual, já que, desde a morte da freira, nada parece ter mudado no Estado.
Entre os acusados de envolvimento no crime, Rayfran das Neves Sales, o autor dos tiros, é o único que diz que "perdeu a cabeça". Os mandantes permanecem negando o crime.
Os fazendeiros da região continuam a dizer que a missionária de 73 anos fez por merecer as seis balas desferidas à queima-roupa. Às câmeras, juram ainda que não há trabalho escravo no país e que se tornaram vítimas após o assassinato.


NAS TERRAS DO BEM-VIRÁ
Direção:
Alexandre Rampazzo
Quando: hoje, às 21h, no Cinesesc
Avaliação: bom


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