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Crítica/"Nas Terras do Bem-Virá"
Filme exibe Pará "de faroeste"
"Nas Terras do Bem-Virá" mostra realidade de conflitos agrários com brasileiros "que não existem"
THIAGO REIS
DA AGÊNCIA FOLHA
Uma terra sem leis, onde
contratar um pistoleiro é mais fácil que apanhar um táxi e onde os homens
estão fadados à escravidão e as
mulheres, à prostituição.
É esse o Pará retratado no
documentário "Nas Terras do
Bem-Virá". O filme descreve a
ocupação no Estado desde a
construção da Transamazônica, no regime militar, até hoje.
E cumpre, em parte, o papel
de mostrar o conflito agrário e
suas extensões. O único problema é que o filme tem um lado
só. Chega até a ouvir fazendeiros, mas, com tantos entrevistados -entre agentes pastorais,
trabalhadores rurais, religiosos
e sociólogos-, não há autoridade para dar explicações.
Isso não invalida o trabalho
de campo. O documentário tem
o mérito de encontrar personagens que presenciaram o massacre de Eldorado dos Carajás,
quando policiais militares mataram 19 sem-terra, em 1996.
Um deles, o Gaúcho, lembra
como se salvou após levar nove
tiros e ficar com um fuzil apontado para a cabeça. É que um
comandante da PM que freqüentava seu boteco o reconheceu e o deixou fugir.
O que o filme faz de melhor é
justamente isso: contar histórias de "brasileiros que não
existem" e "que o IBGE nunca
vai encontrar", como diz um
dos personagens ouvidos.
São pessoas que deixam suas
famílias para trabalhar em condições subumanas a donos de
propriedades que se intitulam
desbravadores da Amazônia.
No trem da Companhia Vale
do Rio Doce, que corta a Amazônia, nordestinos chegam ao
Pará, mas não voltam. Viram
escravos e não têm dinheiro para se libertar. Morrem. E ninguém fica sabendo. As mulheres, sem outra opção, viram prostitutas. A palavra que mais
se ouve é "impunidade".
"Nas Terras do Bem-Virá"
não chega a ser um filme revelador, já que a repercussão do
assassinato da missionária Dorothy Stang, em Anapu, conseguiu há dois anos escancarar a
"realidade de faroeste" do Pará.
Mas é uma radiografia da região e um filme atual, já que,
desde a morte da freira, nada
parece ter mudado no Estado.
Entre os acusados de envolvimento no crime, Rayfran das
Neves Sales, o autor dos tiros, é
o único que diz que "perdeu a
cabeça". Os mandantes permanecem negando o crime.
Os fazendeiros da região continuam a dizer que a missionária de 73 anos fez por merecer
as seis balas desferidas à queima-roupa. Às câmeras, juram
ainda que não há trabalho escravo no país e que se tornaram
vítimas após o assassinato.
NAS TERRAS DO BEM-VIRÁ
Direção: Alexandre Rampazzo
Quando: hoje, às 21h, no Cinesesc
Avaliação: bom
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