São Paulo, Sexta-feira, 26 de Março de 1999
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O Troco


Mel Gibson deixa seus personagens heróicos para fazer um bandido -"o mais canalha de todos os que já interpretei"- no filme em que exigiu mudanças na versão do diretor e que recupera a estética anos 70 de longas como "À Queima-Roupa"


CLAUDIO CASTILHO
em Los Angeles

Mel Gibson cansou de passar por bom moço. Depois de mais de 20 anos interpretando papéis de homens de agá maiúsculo que salvam na tela Deus e o mundo, o ator resolveu voltar à violência dos tempos de começo de carreira, época de "Mad Max", e interpretar um anti-herói.
No thriller "O Troco", que estréia hoje no Brasil, Gibson encarna o bandidão Porter, o menos mau de uma turma de criminosos mafiosos do filme, que não conta com uma alma boa para contar história.
"Espero que Porter seja o último marginal de verdade que interpreto no cinema", disse Gibson à Folha. "Acho que o bandido que faço desta vez é o mais canalha de todos que já interpretei até hoje."
"O Troco" conta a história do bandido Porter (Gibson), que é traído pela mulher Lynn (Deborah Kara Unger) e pelo melhor amigo Val (Gregg Henry).
Baleado nas costas pela dupla, Porter se recupera e sai em busca de vingança e dos US$ 70 mil a que tinha direito em um "negócio" patrocinado pela quadrilha. Para surpresa de Porter, Rosie e Val têm ligações com uma gang mais barra-pesada chamada O Sindicato, o que o coloca em uma situação ainda mais delicada. A saída encontrada pelo personagem de Gibson é sair matando tudo o que surge com vida à sua frente.
Se momentos de tensão ocupam boa parte do filme de Gibson, a fase de edição de "O Troco" não ficou para trás. É que, ao ver a versão final do diretor neófito Brian Helgeland (roteirista de "Los Angeles - Cidade Proibida"), Gibson não gostou do resultado e pediu modificações. O ator solicitou a regravação de 30% do que Helgeland havia feito, e o diretor, por sua vez, se recusou a atender o pedido do ator e se afastou do filme.
"Não somente eu achei que alterações eram imprescindíveis no projeto. O estúdio produtor do filme também solicitou mudanças", recobrou o ator, que está prestes a ser pai pela sétima vez. "Helgeland achou que, se algo fosse mudado, a integridade artística de seu trabalho estaria em jogo. Como não concordamos em manter o que ele havia feito, ele achou por bem se retirar. Acho que tomou uma decisão corajosa defendendo suas idéias. Desde o começo ele agiu com total profissionalismo. Isso ninguém pode negar. Mesmo assim, acredito que, com as alterações, temos hoje um filme melhor do que o idealizado por Helgeland", disse.
A versão final de Gibson traz um filme policial inspirado no clássico noir "À Queima-Roupa", dirigido por John Boorman e protagonizado por Lee Marvin.
"Esse filme faz lembrar um pouco a atmosfera de outras produções de cineastas como Don Seigel, Sam Peckinpah e John Boorman do começo dos anos 70", ressaltou Mel Gibson ao lembrar da época de sua adolescência quando se viu fascinado por filmes de crime como "Os Implacáveis".
""O Troco" tem um pouco de cada um dos filmes que marcaram minha juventude, mas só que os tempos hoje são outros. "O Troco" apresenta uma atmosfera ainda mais underground e dark por ser contemporâneo e passar nos anos 90."
O toque noir de "O Troco" foi possível com a utilização de uma técnica especial de descoloração da fita depois de gravada com um solvente que aproximou as cores à tonalidades de branco-e-preto.
"Para fazer o filme "Vidas em Jogo", com Michael Douglas, a produção usou semelhante processo. Para fazer "O Troco" chegamos a pensar em produzi-lo em preto-e-branco e em 16mm, mas desistimos logo da idéia ao concluir que dessa forma jamais faríamos dinheiro com filme", contou o ator que, em 95, recebeu dois Oscar por "Coração Valente" nas categorias de melhor diretor (em sua estréia como cineasta) e de melhor filme.
A verdade é que hoje, aos 43 anos, Mel Gibson não precisa se preocupar tanto com os lucros de seus filmes. Ele é um dos poucos em Hollywood a receber a bagatela de US$ 20 milhões por produção de que participa.
Além de dinheiro, outra coisa que não falta em sua vida é trabalho. Mel Gibson espera levar adiante um dos projetos de seus sonhos, que será o de filmar uma nova versão do clássico de ficção científica "Fahrenheit 451".
"Fazer esse filme é um sonho que me acompanha há muito tempo. Não sou mais nenhum garotinho, mas acho que ainda tenho tempo suficiente para seguir tentando transformar meus sonhos em realidade. "Fahrenheit 451" é um desses meus grandes sonhos. Um dia ele sairá do papel", concluiu o ator.


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