São Paulo, Sexta-feira, 26 de Março de 1999
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CRÍTICA
Violência, muita violência e mais violência

THALES DE MENEZES
da Reportagem Local

O cartaz do filme já entrega: "Chega de ser o bom moço!". No primeiro papel de vilão de sua carreira, Mel Gibson não perdoa. Interpreta um dos mais frios e cruéis assassinos do cinema em "O Troco", filme que reacendeu nos EUA a discussão da adoção de alguma espécie de "código de ética" para diminuir a violência nas telas.
É lamentável que qualquer polêmica possa desviar a atenção do público de algo fundamental: "O Troco" é um senhor policial, um exercício de estilo refinado que todo cinéfilo vai admirar.
Refilmagem muito livre do clássico "À Queima-Roupa", dirigido por John Boorman em 1967, a história conta a trilha de vingança de Porter, ladrão e assassino.
O filme começa com Porter numa mesa imunda. Um médico com jeitão de açougueiro tira duas balas de suas costas. Na tradição do cinema e do romance noir, a voz poderosa de Gibson irrompe e Porter conta sua história.
A fotografia do filme carrega muito nos tons de azul, e a trilha sonora tenta, com sucesso, reproduzir o melhor de Lalo Schifrin, compositor dos principais filmes de Clint Eastwood e Charles Bronson. Ou seja, tudo contribui para dar uma cara "anos 70".
Em sua estréia na direção, Brian Helgeland usa e abusa da cartilha de Sidney Lumet (diretor de "Serpico") e Don Siegel (de "Dirty Harry"): big closes, cortes rápidos e uma câmera esperta que evita a exibição direta do sangue jorrando, mas consegue transmitir a sensação de violência e agressividade para o espectador.
Excelente roteirista, Helgeland escreveu obras geniais como "Los Angeles - Cidade Proibida", "O Mensageiro" (com Kevin Costner) e "Teoria da Conspiração" (com Gibson). No entanto, o talento e a amizade com o astro não garantiram um trabalho tranquilo. Gibson não gostou da condução das filmagens, brigou com Helgeland, assumiu as últimas gravações e foi responsável pela edição final.
Tudo isso porque Gibson queria "O Troco" muito violento. E o roteiro só ajuda. Afinal, Porter se recupera dos tiros para ir atrás de Val, seu sócio, e Lynn, sua namorada, que levaram dele US$ 70 mil. Porter testemunha a garota morrer de overdose e seu humor só piora ao descobrir que Val usou o dinheiro para pagar uma dívida ao Sindicato, o grupo que manda no crime organizado em Chicago.
Em busca de seus US$ 70 mil, Porter pretende matar todos que cruzarem seu caminho. E eles não são poucos: Val, uma gangue de chineses, policiais corruptos e todos os bandidos "sindicalizados" da cidade. Porter ainda arruma tempo para retomar um relacionamento conturbado com a prostituta Rosie (a loira gracinha Maria Bello, da série "Plantão Médico").
Porter dá uma aula de frieza e crueldade. Bate, chuta, esfaqueia, atira, ameaça, tortura e mata. E também é esmurrado, chutado, esfaqueado e torturado. Ele e seus inimigos são farinha do mesmo saco. Nesse turbilhão de cenas bárbaras, a platéia só vai torcer por ele porque Mel Gibson é o mais carismático superstar do cinema neste fim de século e provoca combustão na libido da mulherada.
É possível reclamar da violência em ritmo de montanha-russa, ou das pesadas cenas de sadomasoquismo com Val e a prostituta chinesa, mas uma coisa é inegável: para quem tem estômago, assistir a "O Troco" é uma experiência cinematográfica e tanto.

Filme: O Troco Produção: EUA, 1999 Direção: Brian Helgeland Com: Mel Gibson e Gregg Henry Quando: a partir de hoje nos cines Marabá, SP Market 8, Paulista 1, Center Norte 3 e circuito


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