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"Maldoror" é um suplício
do enviado a Curitiba
Há uma estrofe, no segundo dos
"Cantos de Maldoror", do poeta
romântico francês Conde de Lautréamont (1846-70), em que ele
descreve um "ônibus". É provavelmente o que inspirou todo o início
do espetáculo de mesmo título, em
Curitiba.
Naquela estrofe, dentro do ônibus, homens que "se assemelham a
cadáveres" negam caridade a uma
criança. E Lautréamont/Maldoror
proclama: "Minha poesia não consistirá em outra coisa senão atacar,
por todos os meios, o homem, essa
besta-fera".
Quando começa a peça "Os Cantos de Maldoror", o espectador está num ônibus de verdade, a caminho de um lugar desconhecido.
Chega a uma chácara e é levado a
assistir, propriamente, à versão cênica dos "Cantos".
Maldoror, no palco, decide praticar os atos mais viciosos contra o
ser humano.
E lá está o espectador, sentado
numa sala perdida no mato, vendo
uma menina ser (cenicamente) estuprada e estripada a partir da vagina, entre incontáveis cenas do
gênero. E o espectador não tem como fugir!
A peça não é como a poesia de
Lautréamont. Os episódios encenados estão nos "Cantos", mas
carregados, no original, de uma
ironia, de um humor negro que
torna a leitura prazerosa.
Já "Os Cantos de Maldoror", a
peça, é um suplício para o público.
Toma Lautréamont literalmente e
se esforça por "atacar por todos os
meios" o espectador.
O original, editado em 97 pela
Iluminuras, é pleno de passagens
como: "Maldoror reparou que havia nascido mau: fatalidade extraordinária! Lançou-se resolutamente na carreira do mal. Atmosfera doce! Quem diria!".
Já a encenação nem tenta a ironia: é agressão aberta, por vezes
aos berros, em cenas de escândalo.
A coragem de encenar Lautréamont não basta, como não bastava,
oito anos atrás, a coragem de encenar "Sades ou Noites com os Professores Imorais" -em que uma
atriz urinava sobre um ator. A
companhia Os Satyros, na verdade, torna "Os Cantos de Maldoror"
um vômito de "maus" atores,
"mau" adaptador, "mau" encenador.
E o público, recorrendo a um
verso dos "Cantos", "não pode
sair. Prisão terrível! Fatalidade
horrenda!".
(NS)
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