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São Paulo, sábado, 26 de abril de 2003

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Três décadas depois, situacionismo vive seu apogeu editorial no Brasil

DA REPORTAGEM LOCAL

O situacionismo não acabou em maio de 1968, ele estava só começando. A antevisão de Guy Debord, em suas "Teses sobre a Internacional Situacionista e o seu Tempo", de 1972, não poderia estar mais correta hoje, quando teatros de rua, ocupações de prédios públicos e nus de protesto tornaram-se prática comum dos novos manifestantes antiglobalização.
No mercado editorial brasileiro, ele também revive (ou vive pela primeira vez). Até 1997 as prateleiras nacionais não comportavam nem mesmo o livro mais emblemático dos situacionistas. Foi neste ano que a editora Contraponto, do Rio, lançou, tirando um atraso de 30 anos, o volume "Sociedade do Espetáculo", de Guy Debord. Dois anos depois, a editora Vozes investiu no extenso ensaio "Guy Debord", de Anselm Jappe, sobre o principal expoente da Internacional Situacionista.
Mas foi a partir do ano passado que os "situs" ganharam sua principal embaixada no país, a editora Conrad. De 2002 para cá, eles publicaram a coletânea "I.S. Situacionista, Teoria e Prática da Revolução", o clássico "A Arte de Viver para as Novas Gerações", de Raoul Vaneigem, e "TAZ - Zona Autônoma Temporária", do "neo-situacionista" Hakim Bey, entre outros.
As publicações, impressas sob o selo Baderna, passaram a girar em torno de um coletivo on-line acessível pelo endereço www.bader na.org. Além de alguns dos textos da coleção -quase sempre liberados dos direitos não-comerciais de reprodução-, o site abre espaço para a manifestação de novos grupos pró ou pós-situacionistas de crítica radical ao capitalismo, como o coletivo literário italiano Wu-Ming.
"Os situacionistas tiveram a premonição de incluir versões stalinistas do Espetáculo em suas críticas ao capitalismo de Estado. Mas, ao permanecerem fundamentalmente marxistas, tiveram um apelo duradouro nos movimentos mais inspirados no anarquismo de hoje", analisa Jim Flemming, membro do coletivo sediado em Nova York Autonomedia, braço editorial dos escritores Hakim Bey e Peter Lamborn Wilson, entre outros.
Embora se defina como um anarquista ontológico, Bey aproveita e recicla diversas das táticas situacionistas em seus comunicados/denúncias contra a mesma sociedade do espetáculo debordiana, entre elas a da psicogeografia, rebatizada por Bey como psicotopografia, em sua obra "TAZ".
No tocante à crítica situacionista ao trabalho, como a aceitação do sofrimento sugerida por Vaneigem, o grupo alemão Krisis também dá certa continuidade aos textos da década de 60 com o radical "Manifesto contra o Trabalho", publicação recente da mesma editora Conrad.
A publicação de "Apologia da Deriva", pela Casa da Palavra, vem trazer ainda mais oxigênio a esse filão editorial.
"Eu acho que essa onda de publicações de textos situacionistas está relacionada com a volta de idéias dos anos 1960. Algumas das inquietações dessa época retornaram, mesmo que de forma muito mais bem comportada e até mesmo já espetacularizada, nas recentes manifestações antiglobalização, e hoje antiguerra", diz Paola Berenstein Jacques, organizadora do volume.
Segundo a urbanista, essa nova apropriação dos espaços públicos segue, de alguma forma, os preceitos "situs". "Transformam as cidades-cenários em cidades-palcos, e o cidadão comum, antes mero espectador, em ator protagonista. (DIEGO ASSIS E CASSIANO ELEK MACHADO)


APOLOGIA DA DERIVA - ESCRITOS SITUACIONISTAS SOBRE A CIDADE. Organização: Paola Berenstein Jacques. Tradução: Estela dos Santos Abreu. Editora: Casa da Palavra (tel. 0/xx/21/ 2220-5252). Quanto: R$ 31 (160 págs.)


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