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RÉPLICA
A inócua rivalidade Rio x SP
LIVIO TRAGTENBERG
ESPECIAL PARA A FOLHA
PARECE INCRÍVEL , mas
ainda não conseguimos
nos livrar de velhos fantasmas que assombram a nossa
jequice cultural. Luiz Fernando Vianna publicou em texto,
na última segunda-feira, na
Ilustrada, uma crítica sobre o
lançamento de um DVD do
sambista Adoniran Barbosa em
que retoma velhos preconceitos e falsas questões.
Começa por, pasmem, desqualificar Adoniran Barbosa:
"É um compositor superestimado, estando no nível do segundo time dos sambistas cariocas". O que qualifica um
compositor como de primeiro,
segundo ou terceiro time? Que
régua é essa? Então Candeia é
segundo time? E Zeca Pagodinho, primeiro time?
A cariocada do crítico reacende essa varicosa questão
Rio de Janeiro versus São Paulo (existe alguém aí que ainda
cultive esse antagonismo?). Segue desqualificando a música
de Adoniran, atribuindo a ela
um papel secundário em relação ao personagem, ao "ator"
social que ele representou.
Ora, Adoniran é um representante único de um momento na história paulista e brasileira, que é o do choque entre os
costumes e as culturas dos imigrantes europeus e a sociedade
local, mestiça.
Perdedores sociais
A música de Adoniran Barbosa é, sim, de grande importância, ultrapassa o caráter anedótico que Vianna quer acentuar
em detrimento de sua qualidade como letrista e compositor.
Então Noel Rosa não era também um "ator", um "personagem social" como "Cantinflas e
Mazzaropi"? Tanto ele como
Adoniran eram dois perdedores sociais, dois excluídos da
norma.
A desqualificação avança
quando se refere à interpretação de "Filosofia", de Noel, por
Adoniran, no DVD em questão,
como a "pior interpretação da
história da música". Por quê?
Que regras ditam o que é o melhor e o pior? Aposto que não
diria o mesmo de Nelson Cavaquinho. Transpassa a crítica
um paralelo comparativo subliminar entre Noel e Adoniran,
para quê?
É uma sacanagem cultural
querer tipificar como gênero
musical de nível inferior (quem
e o que define a régua?), provinciana, a tradição do samba de
São Paulo. "Filosofia", de Noel,
é magistral, e "Trem das Onze",
uma música menor, superestimada. Com uma pobreza provinciana de argumentação,
Vianna repisa velhos clichês regionalistas que buscam desqualificar a cultura do outro.
Samba bom é no Rio de Janeiro, mais um clichê inócuo.
Preconceitos bizantinos
Adoniran foi um intérprete
da metrópole paulistana, assim
como hoje encontramos nas
vozes pulverizadas do rap leituras musicais da cidade.
O que revolta é que, quando a
gente pensa que evoluiu um
pouco no debate de idéias sobre
música (afinal, agora temos
tantos doutos...), a gente vê que
se repisam velhas e falsas questões que encerram preconceitos bizantinos.
O compositor LIVIO TRAGTENBERG é diretor
musical da Orquestra de Músicos das Ruas de
São Paulo e admirador de Noel Rosa, entre outros sambistas cariocas
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