São Paulo, quinta-feira, 26 de abril de 2007

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RÉPLICA

A inócua rivalidade Rio x SP

LIVIO TRAGTENBERG
ESPECIAL PARA A FOLHA

PARECE INCRÍVEL , mas ainda não conseguimos nos livrar de velhos fantasmas que assombram a nossa jequice cultural. Luiz Fernando Vianna publicou em texto, na última segunda-feira, na Ilustrada, uma crítica sobre o lançamento de um DVD do sambista Adoniran Barbosa em que retoma velhos preconceitos e falsas questões.
Começa por, pasmem, desqualificar Adoniran Barbosa: "É um compositor superestimado, estando no nível do segundo time dos sambistas cariocas". O que qualifica um compositor como de primeiro, segundo ou terceiro time? Que régua é essa? Então Candeia é segundo time? E Zeca Pagodinho, primeiro time?
A cariocada do crítico reacende essa varicosa questão Rio de Janeiro versus São Paulo (existe alguém aí que ainda cultive esse antagonismo?). Segue desqualificando a música de Adoniran, atribuindo a ela um papel secundário em relação ao personagem, ao "ator" social que ele representou.
Ora, Adoniran é um representante único de um momento na história paulista e brasileira, que é o do choque entre os costumes e as culturas dos imigrantes europeus e a sociedade local, mestiça.

Perdedores sociais
A música de Adoniran Barbosa é, sim, de grande importância, ultrapassa o caráter anedótico que Vianna quer acentuar em detrimento de sua qualidade como letrista e compositor. Então Noel Rosa não era também um "ator", um "personagem social" como "Cantinflas e Mazzaropi"? Tanto ele como Adoniran eram dois perdedores sociais, dois excluídos da norma.
A desqualificação avança quando se refere à interpretação de "Filosofia", de Noel, por Adoniran, no DVD em questão, como a "pior interpretação da história da música". Por quê?
Que regras ditam o que é o melhor e o pior? Aposto que não diria o mesmo de Nelson Cavaquinho. Transpassa a crítica um paralelo comparativo subliminar entre Noel e Adoniran, para quê?
É uma sacanagem cultural querer tipificar como gênero musical de nível inferior (quem e o que define a régua?), provinciana, a tradição do samba de São Paulo. "Filosofia", de Noel, é magistral, e "Trem das Onze", uma música menor, superestimada. Com uma pobreza provinciana de argumentação, Vianna repisa velhos clichês regionalistas que buscam desqualificar a cultura do outro. Samba bom é no Rio de Janeiro, mais um clichê inócuo.

Preconceitos bizantinos
Adoniran foi um intérprete da metrópole paulistana, assim como hoje encontramos nas vozes pulverizadas do rap leituras musicais da cidade.
O que revolta é que, quando a gente pensa que evoluiu um pouco no debate de idéias sobre música (afinal, agora temos tantos doutos...), a gente vê que se repisam velhas e falsas questões que encerram preconceitos bizantinos.


O compositor LIVIO TRAGTENBERG é diretor musical da Orquestra de Músicos das Ruas de São Paulo e admirador de Noel Rosa, entre outros sambistas cariocas

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