São Paulo, sábado, 26 de abril de 2008

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Zuenir Ventura revê 68 olhando para o presente

Em "1968 - O Que Fizemos de Nós", jornalista elege raves como emblema da juventude atual

Livro, que sai em caixa com nova edição de best-seller do autor sobre "ano que não terminou", tem entrevistas com Caetano, FHC e Zé Dirceu


LUIZ FERNANDO VIANNA
DA REPORTAGEM LOCAL

Em 1988, Zuenir Ventura publicou "1968 - O Ano que Não Terminou", que já chegou à marca de 400 mil exemplares vendidos. Em 2008, o jornalista lança uma edição revisada de seu best-seller com "1968 - O Que Fizemos de Nós", livro que não pretende ocupar a nova data redonda apenas com mais um balanço do que aconteceu há quatro décadas.
Ao rever o primeiro "1968", Zuenir concebeu um segundo em que buscasse, segundo ele, "continuidades e rupturas" entre a quase mítica "geração de 68" e jovens de hoje.
"Não há hoje "a" geração. Há tribos, galeras, turmas. Por isso, achei que a estrutura não devia ter uma ordem rígida. É mais fragmentada", diz ele, 76, referindo-se à primeira metade do livro, em que faz pequenas reportagens para retratar os tempos atuais e pô-los em contraste com 68 -na segunda, entrevista nomes importantes da época falando de ontem e hoje.
"Quis corrigir um pouco essa má vontade que a gente tem com a nova geração. Também era assim em 68, mas os jovens eram muito agressivos e respondiam: "não confie em ninguém com mais de 30 anos". O João Batista Ferreira, ex-padre que era um dos poucos com mais de 30 em quem os jovens confiavam e que hoje é psicanalista de jovens, diz que há um 68 dentro de 2008 e nos conclama a ter um olhar mais generoso.
Precisamos lavar os olhos e tentar entender o que eles são, o que eles querem", afirma.

Narcisismo
Zuenir foi a campo, então, e procurou entender o culto ao corpo dos dias de hoje, da obsessão pela magreza aos piercings, como mostra o capítulo "Viva o Corpo Brasileiro".
Mas o investimento maior está nas 30 páginas de "Sexo, Drogas e Rave". Ele relata, com doses de humor e espanto, sua ida a uma grande festa embalada a música eletrônica e ecstasy, e elege as raves como emblema da juventude atual.
"Você encontra nesse tipo de festa o que eu chamo de busca meio agônica do paroxismo; ou seja, da vertigem, da voragem, do risco. Ao mesmo tempo em que é uma coisa coletiva, as pessoas ficam muito ensimesmadas, mais preocupadas com elas do que com os outros. Há um narcisismo", diz.
Ele, no entanto, não aponta no livro nenhum dedo condenatório para esses jovens e vê seu comportamento como quase natural, já que os projetos coletivos, especialmente os políticos, não fascinam mais.

Utopia ingênua
Dos desdobramentos positivos de 68, Zuenir Ventura destaca vários no livro, como o maior respeito às preferências sexuais e aos direitos da mulher, e o fortalecimento dos movimentos negro e gay. Na ala negativa, estão a violência ("acreditava-se numa violência edificante, pedagógica, o que dava a você o direito de ser violento, mas não ao outro, e hoje sabemos que toda violência gera violência") e as drogas. "Havia uma certa utopia ingênua ao achar que as drogas poderiam ser um instrumento de abertura das consciências.
Mas essa realidade se mostrou perversa. No fundo, há uma multinacional das drogas que gera mortes. É uma tragédia deste século que herdamos do anterior", diz ele.

Entrevistas
A segunda parte do livro tem sete entrevistas (veja trechos nesta página). Começa com Heloisa Buarque de Hollanda, crítica literária que sediou o Réveillon que abria "O Ano que Não Terminou", e termina com José Dirceu, líder estudantil preso em 68, libertado graças ao seqüestro do embaixador americano em 69 -do qual participaram Franklin Martins e Fernando Gabeira, também entrevistados- e que teve o mandato de deputado federal cassado em 2005 sob suspeita de comandar o mensalão.
César Benjamim, preso por cinco anos durante a ditadura militar e hoje um cientista político dissidente do PT, conta uma história que, embora não inédita, é pouco conhecida: Lula teria jantado e "derrubado três litros de uísque" com Alberico Souza Cruz dias depois do debate com Fernando Collor, no segundo turno da eleição presidencial de 1989. Alberico era satanizado pelos petistas por ter sido o principal responsável pela edição (favorável a Collor) do debate exibido nos telejornais da TV Globo. "Não vou brigar com a Globo, não é, Cesinha?", teria dito o hoje presidente da República.
Na entrevista de Caetano Veloso, está, para Zuenir, a frase que resume melhor a possibilidade de um "novo 68": "Para ser [uma coisa] parecida com aquilo, tem de ser muito diferente daquilo". Agora lançados numa caixa, os livros deverão ser vendidos separadamente em breve.


1968 - O QUE FIZEMOS DE NÓS
Autor: Zuenir Ventura
Editora: Planeta
Quanto: R$ 75 (224 págs.; caixa inclui "1968, O Ano que Não Terminou", 286 págs.)



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