São Paulo, sábado, 26 de abril de 2008

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Memória

Canhoto da Paraíba deu eco nordestino a valsas e choros

Músico morto anteontem marcou por linguagem harmônica sofisticada e fluência

IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Ele começou tocando sino; o pai quis impor-lhe o clarinete; mas foi empunhando violão "pelo avesso" que Canhoto da Paraíba, que morreu anteontem em Paulista (PE), inscreveu seu nome na história da música brasileira, com valsas e choros de sabor nordestino.
Foram cinco dias em um jipe, em 1959, na companhia de outros quatro músicos, desde Recife, em peregrinação para conhecer Jacob do Bandolim, no Rio de Janeiro.
Ele estava lá para ouvir, mas foi o que apresentou no sarau, na casa de Jacob, que causou sensação: não apenas o bandolinista (que disse jamais tê-lo visto errar uma nota), mas também o maestro Radamés Gnattali e o então adolescente Paulinho da Viola (que, além de lhe produzir um disco, "O Violão Brasileiro Tocado Pelo Avesso", e dedicar-lhe uma música, "Abraçando o Chico Soares", deu-lhe a alcunha "da Paraíba", para diferenciá-lo do violonista Canhoto da geração anterior, Américo Jacomino) reverenciaram o talento de Francisco Soares de Araújo.

Estilo lírico
Em vez de se radicar no Sudeste, ele preferiu permanecer na capital pernambucana, onde, paralelamente à atividade de funcionário do Sesi (Serviço Social da Indústria), seguia a destilar um estilo lírico, com linguagem harmônica surpreendente para a época e grande fluência no discurso musical, como atestam suas raras gravações.
Sua data de nascimento, na cidade paraibana de Princesa Isabel, é motivo de controvérsia. Obras de referência mencionam 19 de maio de 1928; é possível encontrar ainda os anos de 1926 e 1927.
De acordo com um artigo sobre o musicista escrito por Maria Luiza Kfouri, há um depoimento do próprio Canhoto da Paraíba esclarecendo que a data certa é 19 de março de 1929, tendo o choro "19 de Março" sido composto por ele para celebrar seu aniversário.
A música começou em casa; o avô era clarinetista na banda da cidade, o pai, violonista, e os nove irmãos se dedicavam a instrumentos diversos.
Como sacristão, Francisco tocava o sino da igreja local; o pai desejava que ele seguisse a carreira do avô, mas, na falta de clarinete disponível, foi com o violão paterno que ele começou sua educação musical -e de maneira bem peculiar.

Violão virado
Quem toca com a mão esquerda normalmente aprende violão invertendo as cordas do instrumento. A exemplo, contudo, dos paulistas Américo Jacomino (1889-1928) e Rogério Guimarães (1900-1980), Canhoto da Paraíba não trocava a posição das cordas, mas a do próprio violão, que ele empunhava virado.
Praticamente autodidata, ele seguiu tocando seu violão virado até 1998, quando um derrame cerebral que lhe paralisou o lado esquerdo do corpo encerrou suas atividades musicais.


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