|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Memória
Canhoto da Paraíba deu eco nordestino a valsas e choros
Músico morto anteontem marcou por linguagem harmônica sofisticada e fluência
IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Ele começou tocando sino; o pai quis impor-lhe
o clarinete; mas foi empunhando violão "pelo avesso"
que Canhoto da Paraíba, que
morreu anteontem em Paulista
(PE), inscreveu seu nome na
história da música brasileira,
com valsas e choros de sabor
nordestino.
Foram cinco dias em um jipe,
em 1959, na companhia de outros quatro músicos, desde Recife, em peregrinação para conhecer Jacob do Bandolim, no
Rio de Janeiro.
Ele estava lá para ouvir, mas
foi o que apresentou no sarau,
na casa de Jacob, que causou
sensação: não apenas o bandolinista (que disse jamais tê-lo
visto errar uma nota), mas também o maestro Radamés Gnattali e o então adolescente Paulinho da Viola (que, além de lhe
produzir um disco, "O Violão
Brasileiro Tocado Pelo Avesso", e dedicar-lhe uma música,
"Abraçando o Chico Soares",
deu-lhe a alcunha "da Paraíba",
para diferenciá-lo do violonista
Canhoto da geração anterior,
Américo Jacomino) reverenciaram o talento de Francisco
Soares de Araújo.
Estilo lírico
Em vez de se radicar no Sudeste, ele preferiu permanecer
na capital pernambucana, onde, paralelamente à atividade
de funcionário do Sesi (Serviço
Social da Indústria), seguia a
destilar um estilo lírico, com
linguagem harmônica surpreendente para a época e
grande fluência no discurso
musical, como atestam suas raras gravações.
Sua data de nascimento, na
cidade paraibana de Princesa
Isabel, é motivo de controvérsia. Obras de referência mencionam 19 de maio de 1928; é
possível encontrar ainda os
anos de 1926 e 1927.
De acordo com um artigo sobre o musicista escrito por Maria Luiza Kfouri, há um depoimento do próprio Canhoto da
Paraíba esclarecendo que a data certa é 19 de março de 1929,
tendo o choro "19 de Março" sido composto por ele para celebrar seu aniversário.
A música começou em casa; o
avô era clarinetista na banda da
cidade, o pai, violonista, e os
nove irmãos se dedicavam a
instrumentos diversos.
Como sacristão, Francisco
tocava o sino da igreja local; o
pai desejava que ele seguisse a
carreira do avô, mas, na falta de
clarinete disponível, foi com o
violão paterno que ele começou
sua educação musical -e de
maneira bem peculiar.
Violão virado
Quem toca com a mão esquerda normalmente aprende
violão invertendo as cordas do
instrumento. A exemplo, contudo, dos paulistas Américo Jacomino (1889-1928) e Rogério
Guimarães (1900-1980), Canhoto da Paraíba não trocava a
posição das cordas, mas a do
próprio violão, que ele empunhava virado.
Praticamente autodidata, ele
seguiu tocando seu violão virado até 1998, quando um derrame cerebral que lhe paralisou o
lado esquerdo do corpo encerrou suas atividades musicais.
Texto Anterior: Drauzio Varella: Éramos todos negros Próximo Texto: Amy Winehouse é detida por agressão na Inglaterra Índice
|