São Paulo, sexta-feira, 26 de maio de 2000


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CINEMA/ESTRÉIA
Nova produção do diretor alemão chega aos cinemas hoje
"Hotel" abriga conto de fadas moderno, diz Wim Wenders

Divulgação
Milla Jovovich e Jeremy Davies são uma "junkie" angelical e um simpático idiota em "O Hotel de Um Milhão de Dólares"


JESÚS RUIZ MANTILLA
DO "EL PAÍS"

Wim Wenders se mexe como homem de borracha e tem cara de irmão maior responsável, abnegado e dedicado. Mas por trás dessa fachada de homem tranquilo se esconde uma alma inquieta, amante do risco, obcecada por manter um discurso próprio, forjado de imagens que não causem indiferença. Esse Wenders irrequieto é que está por trás de "O Hotel de Um Milhão de Dólares", projeto que concebeu com Bono, o vocalista do U2, autor da idéia e do primeiro roteiro.
Os resultados desse "conto de fadas moderno", como o alemão define o filme, ganhador do prêmio do júri no Festival de Berlim, são discutíveis, para muitos, mas ninguém duvida de que nesse hotel residem todas as obsessões de um diretor entregue à paixão amorosa e à exploração dos mistérios da morte.
Lá vivem o protagonista, Tom Tom, interpretado por Jeremy Davis; uma prostituta nervosa encarnada por Milla Jovovich, que fez Joana D'Arc há pouco; um sujeito, Peter S. Muller, que acha que é ao mesmo tempo John Lennon e um índio sioux. Um poeta morre. É então que Skimer, um agente com pinta de andróide do FBI, é designado para investigar o caso. Entra em cena Mel Gibson, para colocar as coisas em ordem.
Wenders explica: "O tesouro desse filme são os personagens e o lugar no qual vivem. Não consigo trabalhar em locais pelos quais não me apaixone", assegura.
"E esse hotel é real, existe, não teve de ser inventado. Fica em Los Angeles e possui o nome que possui no filme. Eu o conheci em 1990, em plena ressaca dos anos Reagan, como recurso para as pessoas que não têm mais nada. O último refúgio para alguém que saindo dali terminaria na rua", diz, e desmente que o filme seja uma promoção comercial para os donos do hotel.
"Não creio que depois de assistir o filme muita gente queira se hospedar ali. O tapete do saguão é horrendo. Nós não nos hospedamos lá. Quer dizer, eu não, porque Milla e Jeremy ficaram duas semanas lá, convivendo com os clientes", conta o diretor.
A filmagem dessas imagens preciosistas e atuações pouco convencionais e um tanto histriônicas demorou 35 dias. "O prazo era curto, e fizemos retoques digitalmente em algumas coisas para melhorá-las". É esse o caso do letreiro do hotel, que estava em estado lastimável.
"Pedimos uma verba para restaurá-lo, mas nos disseram que isso custaria US$ 200 mil e eu decidi recorrer aos efeitos especiais. Terminamos criando em Munique o letreiro usado no filme, por menos de US$ 2 mil", conta esse entusiasta das novas tecnologias -tanto que estreou o filme com uma cópia digital de alta definição, com imagem mais nítida.
O projeto chegou às mãos de Wenders em 1994. Bono, seu amigo, deu-lhe o roteiro original para que comentasse. "Li, discutimos o texto durante dois dias sem pensar em produzi-lo, e eu disse que só faltava um diretor. Aí ele me encarou e sorriu maliciosamente", conta, "e eu entendi, não consegui recusar. Não sabia que ele era tão esperto".
A amizade entre os dois data de quando Wenders dirigiu um vídeo para uma das canções de "Achtung Baby", disco do U2 gravado em Berlim. Agora, Wenders é padrinho de um dos filhos de Bono, e eles são muito unidos.
A trilha sonora de "O Hotel de Um Milhão de Dólares" é do próprio Bono e do U2: os músicos irlandeses contribuíram com seis originais para o filme. O U2 contou com a ajuda de dois dos seus colaboradores, Brian Eno e Daniel Lanois, dupla que sempre esteve por trás do sucesso da banda irlandesa (leia texto abaixo).
"A música é a parte mais bonita da pós-produção de um filme", diz Wenders. "Não estranho que o filme tenha saído da cabeça de um músico, porque esse tipo de mente está aberta a tudo", diz o diretor, que não enfrentou muitos problemas para apor sua assinatura ao argumento de Bono.
Bono confiou plenamente em Wenders. Um artista como ele é difícil de encontrar porque, disse o cantor, "é daqueles que vão sempre contra a corrente". O músico respeitou ao máximo o trabalho do diretor.
"A música se enquadrou perfeitamente ao filme, e ele não participou da filmagem", conta Wenders, "ainda que eu quisesse vê-lo fazendo um papel, o de recepcionista, que em princípio era dele". Mas no final restou uma pequena aparição, com Bono saindo por um instante de uma festa que acontece no saguão.


Tradução Paulo Migliacci


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