São Paulo, sábado, 26 de maio de 2001

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PERDIDO NUMA NOITE SUJA

O escritor cubano continua sua visita a SP conhecendo travestis e boates da Boca do Lixo

"Estive com mais de 200 mulheres"

João Wainer/Folha Imagem
O escritor cubano Pedro Juan Gutiérrez diverte-se em boate na Boca do Lixo de São Paulo


Mas e se for a mulher quem se relacione com outro? "Ela viajou à Itália por seis meses, gostou de um italiano e ficou com ele. Quando partiu, eu tinha dito que estava livre para isso, desde que usasse preservativos. Só foi desagradável porque ele acabou vindo para Cuba vê-la."
Agora, mantém financeiramente a mulher e a namorada, ambas desempregadas. Para quem se afirma com vocação para gigolô e que chegou a viver na época das vacas magras dos ganhos de uma namorada prostituta, não deixa de ser uma inversão de papéis.
Antes de sairmos, ainda tem tempo para outra informação bombástica sobre sua vida. "Sei que parece pedante, mas estive com mais de 200 mulheres até hoje", conta, para espanto do fotógrafo, que pergunta: "Mas você sai contando?". O cubano responde que aos 35 anos fez uma lista dos nomes que lembrava ou, quando esquecia, das situações. Desistiu da lista quando o número já rondava as 130 conquistas. "Então, como tenho agora 51..."
Descemos caminhando pela rua Amaral Gurgel, tradicional ponto de trottoir de travestis, um interesse crescente de Gutiérrez. Em "O Rei de Havana", já aparece o travesti Sandra, que por pouco não rouba a cena, forçando o escritor a cortá-la da história. Agora, tem estado há um ano em conversas com um travesti para um romance protagonizado por ela e por uma cantora de boleros de 60 e poucos anos.
O escritor tira quase tudo da realidade para sua ficção. Há dois anos, esteve na Suécia, onde viveu um romance com uma loira quarentona de "tetas magníficas" a quem teria ensinado a fazer amor -e a história é contada, com detalhes, em "Animal Tropical", o que causou problemas.
"Ela me enviou um bilhete dizendo: "Espero ter forças para perdoar e esquecer". Eu mandei um postal de volta com as seguintes palavras: "Deixe de tragédia que a vida é uma comédia".", ri.
Na esquina, encontramos três travestis bastante jovens e atraentes. A "triguerita" (moreninha) Joyce impressiona o cubano com sua feminilidade. Gutiérrez pede que posem para fotos e aproveita para passar a mão na cintura da morena, a quem pede um beijo.
Sentamos na calçada de um bar. Outra vez ele ordena uma caipirinha. Conta que vive bem em Havana, mas que no princípio dos anos 90, quando estourou a crise econômica em Cuba, chegou a sobreviver, famélico e magérrimo, com apenas US$ 3 por mês.
Nessa época, uma amiga argentina lhe enviava pacotes com canetas, sabonete, lâminas de barbear e outros objetos, que sua mãe revendia para comprar produtos como feijão, arroz e carvão.
Gutiérrez escrevia um artigo mensal para uma revista cubana e, com tempo, resolveu sentar, garrafa de rum ao lado, para escrever suas histórias. Escreve à mão. Depois, datilografa tudo numa antiga máquina de escrever.
Em 1994, já tinha prontos os três livros de contos que compõem a "Trilogia" quando uma amiga francesa levou os manuscritos de Havana para Paris. "Ela não quis publicá-los porque é esquerdista demais, mas encaminhou o livro para a agente Anne-Marie Vallat, em Madri." Finalmente, em 1997, "Trilogia Suja de Havana" era publicado na Espanha, pela prestigiada editora Anagrama.
Em pouco tempo, os jornais espanhóis saudariam o livro como um dos melhores lançamentos do ano e comparariam Gutiérrez a Henry Miller e Charles Bukowski.
Mas o assunto política é um tabu. "Prefiro me impor como escritor", diz. Sua estratégia parece estar funcionando: embora os livros "sujos" não tenham sido publicados em Cuba, no final do ano passado conseguiu editar um romance, "Melancolia dos Leões", e negocia para que contos da "Trilogia" possam ser lidos na ilha.
Sobre Fidel Castro, fala apenas que gostaria muito que lesse seus livros e o chamasse para bater um papo. "Sei que Gabriel García Márquez leu, e não seria difícil que um dia levasse um exemplar para ele ler também", diz.
Nossa última parada é a boate de striptease onde Gutiérrez se proclamou rei de Havana. Somos atraídos para lá pelo forró que ouvimos da porta, sinal de muita animação, e não nos equivocamos. As meninas, com pouca roupa, misturam-se aos fregueses da casa, na pista de dança ou nos sofás laterais. A jaula com a dançarina nua ouriça o cubano.
Logo, uma mulata, em topless sob uma plataforma, enfeitiça Gutiérrez. Para piorar a situação, o nome dela é Bárbara, como sua filha de dois meses e sua "mãe" na "santería" (o candomblé cubano). O escritor faz o que pode. Baila agarrado a ela, acaricia o bumbum arrebitado de Bárbara, lambe o suor que escorre das costas da mulata, desliza os dedos aqui e ali. Meia hora depois, nos chama: "Vamos, vamos". E dispara em direção à porta.
Estamos curiosos. O que houve? A mulata Bárbara estava "naqueles dias" e se recusou a ir para o hotel com Gutiérrez. Rimos muito. O "rei de Havana" vai dormir sozinho, indignado.
(CYNARA MENEZES)


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