São Paulo, sábado, 26 de maio de 2001

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"MEMÓRIAS DO MEDITERRÂNEO"

Obra sobre a Antiguidade foi feita como desafio

Livro raro mostra Fernand Braudel face à "tentação"

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Em 1968, ano em que escreveu "Memórias do Mediterrâneo -°Pré-História e Antiguidade", lançado agora no Brasil, o historiador francês Fernand Braudel (1902-1985) já era célebre por alguns motivos:
1. Sua obra mais importante, "O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico" (49), já era conhecida como importante tratado sobre o Ocidente no século 16 e no que ele se transformaria a partir daí.
2. Sua visão de história, que articulava o diálogo entre longa e curta duração, revolucionara o modo de pensar dos historiadores.
3. Já herdara de Lucien Febvre e Marc Bloch o comando da Escola dos Annales, grupo que seria responsável pela Nova História.
4. Tinha passado pelo Brasil, onde formara um ilustre grupo de professores da recém-criada USP, com Lévi-Strauss e Roger Bastide.
Poderia parecer improvável, então, que Braudel, um historiador que dedicou a obra ao estudo do século 16, à Europa moderna, aceitasse escrever um livro sobre a Pré-História e a Antiguidade.
Mas foi o que ele fez, em 1968, a convite do editor suíço Albert Skira. O próprio Braudel justifica-se no texto, dizendo ter aceitado a empreitada por "curiosidade", "imprudência" e "tentação".
Braudel entregou o manuscrito pronto de "Memórias do Mediterrâneo - Pré-História e Antiguidade" cerca de um ano depois. Mas Skira morreu em 1973, sem ter publicado o livro. O texto permaneceu guardado por mais de 20 anos até vir à tona em 1998, em uma edição francesa (ed. Fallois).
O texto lançado agora no Brasil é uma co-edição entre a editora Terramar, de Lisboa, e a distribuidora carioca de livros Multinova. "É um documento para os que querem entender o pensamento de Braudel", disse Carlos Araújo, editor da Terramar, à Folha. "Ainda que traga informações desatualizadas sobre arqueologia."
Para contornar esse problema, a edição foi revista por uma equipe de arqueólogos e especialistas franceses. As informações erradas não foram alteradas, mas o texto vem acompanhado de notas de rodapé, que fazem as correções.
Em "Memórias do Mediterrâneo", Braudel põe em prática seu modo de pensar a história -ele a concebia espraiada por grandes espaços geográficos e temporais.
Faz uso da geologia e arqueologia da época para reconstituir os princípios da ocupação do Mediterrâneo -como representante dos Annales, era um defensor da idéia de que a história devia se alimentar de outras disciplinas.
Dedica longo espaço para investigar motivos, materiais e sociais, do sucesso dos fenícios na navegação e no comércio da época.
Braudel também posiciona-se contra a historiografia que tomava Roma como Estado imperialista cruel, relativizando as razões pelas quais tornou-se, por tanto tempo, senhora do Mediterrâneo.
O livro tem impressões que Braudel colheu ao sobrevoar baixinho, às vezes de hidroavião, o Mediterrâneo. Sua mente parece fervilhar com imagens das guerras e civilizações do passado: "Se, de súbito, todas as batalhas de outrora ocorressem num mesmo momento, ver-se-ia uma imensa linha de combate desde a ilha de Corfu até Ácio, Lepanto (Grécia), ilha de Malta, Zama (então Numídia), Djerba (Tunísia)...".


MEMÓRIAS DO MEDITERRÂNEO - ("Les Mémoires de la Méditerranée"). De: Fernand Braudel. Tradução: Teresa Antunes Cardoso, José Lopes, Isabel Aubyn e Amélia Joaquim. Co-edição: Terramar (Lisboa, Portugal, 00/xx/351/21/315-6874, www.terramar.pt) e Multinova (RJ, Brasil, 0/xx/21/576-8545, www.multinova.com.br). Primeira edição. Quanto: R$ 54,90 (343 págs.)



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