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Show/réplica
Cambalhota coroa a noite dos Mutantes
FÁBIO VICTOR
DE LONDRES
Com ele sentado ao teclado, as pernas dobradas e a coluna esticada
formam um perfeito ângulo reto. Arnaldo Baptista veste uma
capa preta, com brilhos nas laterais, calça colante da mesma
cor e uma camisa laranja de
mangas compridas.
Apesar da roupa estrambótica, os gestos contidos e os óculos de aro fino lhe dão uma aparência de senhor comportado.
É desse senhor que, segundo a
resenha de Ronaldo Evangelista na Ilustrada (ed. de 24/5)
foi um objeto "puramente cênico" no show histórico dos
Mutantes na última segunda-feira em Londres, que me ocuparei. O crítico, macambúzio
por ter visto um Mutantes diferente daquele de 40 anos atrás,
escreveu que Arnaldo foi "incapaz de se entregar e receber de
volta o que o público quer [queria] dele".
Há dez artistas no palco do
Barbican Hall. Lá está Sérgio
Dias, tornado líder pelas limitações físicas do irmão, está lá
Zélia Duncan, cercada de expectativa por substituir Rita
Lee. Também há Dinho, o baterista da formação original. Há
vários músicos novos e bons,
há muita coisa acontecendo
nesse palco, mas, para mim, é
difícil desviar a visão dele. O
Arnaldo que encabeçou a psicodelia da "maior banda psicodélica de todos os tempos"
-definição recente da "Time
Out"-, que se esbaldou de LSD
na juventude, que tentou o suicídio pulando da janela de uma
clínica psiquiátrica, que dormiu um coma profundo, que
vegetou por anos e que, quando
ninguém esperava, quase aos
60, renasceu num disco solo
em 2004.
É o reencontro dos irmãos
Dias Baptista no palco após
mais de 30 anos. Há uma excitação evidente entre os 1.800
presentes, já esquentados pela
abertura da Nação Zumbi.
É nítido que Arnaldo, ainda
com seqüelas de tudo, tem dificuldade em tocar o teclado à
sua frente. Ele segue como dá.
Sua voz só começa a ser percebida em "Cantor de Mambo".
O tom é fraco e alterado, mas
melhora em "Dia 36", lindamente interpretada só por Arnaldo, a proposital distorção da
voz fazendo-a crescer.
Se Sérgio Dias é, conforme
Evangelista, "o showman da
noite", com lucidez, voz uniforme e solos de guitarras -uns
maravilhosos, outros só maneiristas-, Arnaldo, o louco, ainda
é a encarnação dos Mutantes,
com suas imperfeições, seu experimentalismo, seu eterno vagar infantil, sua genialidade.
Ainda que ele insista em parecer distante, o show esquenta, sua recuperação avança, o
público o idolatra. Zélia não
brilha nem compromete, o que
já é muito. Arnaldo canta "Ave,
Lúcifer". Parece acordar de
vez, faz caretas e trejeitos. Finge se estrangular. Depois cobre
o rosto com as mãos e ri.
Vem a apoteose, com "Panis
et Circensis", na versão em inglês. Os Mutantes pegam a saída errada, por trás do palco, alguém avisa que é pela lateral.
No caminho, o "punctum" da
noite: exultante, Arnaldo dá
uma cambalhota no palco. Os
Mutantes vão embora.
Seria impossível ter sido o
que foi nos anos 60/70, e uma
ingenuidade acreditar que seria. Não há mais contexto, não
há mais LSD, não há mais idade, não há mais Rita Lee. Mas
foi lindo. E, de tudo que houve
ali, o que mais se aproximou
daquele Mutantes foi Arnaldo
Baptista.
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