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Crítica/romance
Em narrativa familiar, Beatriz Bracher contrasta apatia e culpa de gerações
NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Se nós, adolescentes na
década de 70, sentíamos
culpa por só termos tido
acesso às rebarbas da ditadura,
e fazíamos de tudo para acreditar que ela ainda era tão dura
conosco como fora com a geração anterior, o que pensar da
geração atual? Será que eles
sentem culpa pela democracia?
Será que sentem culpa por não
terem em nome do que senti-la,
ou será que não sentem culpa
de nada? E como será uma vida
sem culpas: melhor ou pior? O
fato é que a vida sob a ditadura
parecia, para nós, plena de significados.
Isabel, uma das protagonistas do romance "Antonio", último livro de Bia Bracher, confirma essa impressão, ao dizer para seu neto Benjamin: "Nós não
tínhamos dúvida de nosso papel no mundo"; "Na nossa época o bem venceu de forma inequívoca e o mesmo não aconteceu com o sentimento difuso de
medo e ameaça que teu pai viveu" e "Nós achávamos que o
mundo seria transformado e
que nós seríamos os agentes
desta transformação. Os dias
de hoje nos transformaram em
idiotas."
Isabel é mãe de Teodoro, pai
de Benjamin, o personagem
principal do livro, que está em
busca de seu passado. Teodoro
faz parte da tal geração em que
predominava este sentimento
difuso de ameaça e medo, mas
que pode também ser chamado
de culpa. A culpa que os jovens
de então sentiam por não sofrer. Em nome desta ausência
de sofrimento nomeável, largávamos tudo, como o fazem vários personagens no livro, para
ir viver no mato, para mergulhar nas drogas e no sexo, para
abandonar a caretice e o mundo burguês do trabalho. Mas
também o abandono das máscaras se revelava hipócrita. Tínhamos a vaidade e o orgulho
da simplicidade, da verdade e
da liberdade, o que, de fato, esvaziava todos os seus sentidos.
Festivos anos 90
Alguns anos mais tarde, nos
festivos e yuppies anos 90,
aqueles adolescentes perdidos
pareciam finalmente ter purgado suas culpas e se transformado em homens de negócios,
funcionários exaustos e competentes, prontos a justificar
suas opções em nome da engrenagem incontornável da cidade
grande. Ou então, enlouquecido. Mas aprendemos a afastar
nossas loucuras e só de vez em
quando nos perguntamos, como faz Isabel a seus filhos: "Você vai ficar orgulhoso no final
do mês porque colaborou com
um projeto coletivo de ganhar
mais dinheiro, vender mais cremes anti-rugas?"
Tudo isso pode soar algo cansativo, mas Bia Bracher consegue retomar com tanta naturalidade um assunto que muitos
teimam em evitar, e sua densidade é expressa de forma tão
fluente, que essas conversas
parecem novas e nos revelam a
extensão de nossas acomodações. E o que será de Antonio,
um personagem que ainda não
nasceu? Como serão os netos
de uma geração que carregou
uma culpa difusa e vazia, e os filhos de uma outra geração apática a qualquer culpa?
É essa a pergunta que ressoa
no romance e cuja resposta,
apesar das dificuldades, precisamos responder.
ANTONIO
Autor: Beatriz Bracher
Editora: 34
Quanto: R$ 28 (192 págs.)
Avaliação: ótimo
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