São Paulo, sábado, 26 de maio de 2007

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Crítica/romance

Em narrativa familiar, Beatriz Bracher contrasta apatia e culpa de gerações

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Se nós, adolescentes na década de 70, sentíamos culpa por só termos tido acesso às rebarbas da ditadura, e fazíamos de tudo para acreditar que ela ainda era tão dura conosco como fora com a geração anterior, o que pensar da geração atual? Será que eles sentem culpa pela democracia?
Será que sentem culpa por não terem em nome do que senti-la, ou será que não sentem culpa de nada? E como será uma vida sem culpas: melhor ou pior? O fato é que a vida sob a ditadura parecia, para nós, plena de significados.
Isabel, uma das protagonistas do romance "Antonio", último livro de Bia Bracher, confirma essa impressão, ao dizer para seu neto Benjamin: "Nós não tínhamos dúvida de nosso papel no mundo"; "Na nossa época o bem venceu de forma inequívoca e o mesmo não aconteceu com o sentimento difuso de medo e ameaça que teu pai viveu" e "Nós achávamos que o mundo seria transformado e que nós seríamos os agentes desta transformação. Os dias de hoje nos transformaram em idiotas."
Isabel é mãe de Teodoro, pai de Benjamin, o personagem principal do livro, que está em busca de seu passado. Teodoro faz parte da tal geração em que predominava este sentimento difuso de ameaça e medo, mas que pode também ser chamado de culpa. A culpa que os jovens de então sentiam por não sofrer. Em nome desta ausência de sofrimento nomeável, largávamos tudo, como o fazem vários personagens no livro, para ir viver no mato, para mergulhar nas drogas e no sexo, para abandonar a caretice e o mundo burguês do trabalho. Mas também o abandono das máscaras se revelava hipócrita. Tínhamos a vaidade e o orgulho da simplicidade, da verdade e da liberdade, o que, de fato, esvaziava todos os seus sentidos.

Festivos anos 90
Alguns anos mais tarde, nos festivos e yuppies anos 90, aqueles adolescentes perdidos pareciam finalmente ter purgado suas culpas e se transformado em homens de negócios, funcionários exaustos e competentes, prontos a justificar suas opções em nome da engrenagem incontornável da cidade grande. Ou então, enlouquecido. Mas aprendemos a afastar nossas loucuras e só de vez em quando nos perguntamos, como faz Isabel a seus filhos: "Você vai ficar orgulhoso no final do mês porque colaborou com um projeto coletivo de ganhar mais dinheiro, vender mais cremes anti-rugas?"
Tudo isso pode soar algo cansativo, mas Bia Bracher consegue retomar com tanta naturalidade um assunto que muitos teimam em evitar, e sua densidade é expressa de forma tão fluente, que essas conversas parecem novas e nos revelam a extensão de nossas acomodações. E o que será de Antonio, um personagem que ainda não nasceu? Como serão os netos de uma geração que carregou uma culpa difusa e vazia, e os filhos de uma outra geração apática a qualquer culpa?
É essa a pergunta que ressoa no romance e cuja resposta, apesar das dificuldades, precisamos responder.


ANTONIO
Autor:
Beatriz Bracher
Editora: 34
Quanto: R$ 28 (192 págs.)
Avaliação: ótimo
Leia trecho


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