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61º FESTIVAL DE CANNES
Francês leva Palma por unanimidade
"Ele tem tudo o que você quer de um filme", diz o ator e presidente do júri, Sean Penn, sobre "Entre les Murs", o grande vencedor
Diretor Laurent Cantet diz que pretendia realizar "filme múltiplo, complexo e com fricções, tal como a sociedade francesa"
DA ENVIADA A CANNES
Penúltimo dos 22 filmes em
competição pela Palma de Ouro a ser exibido no 61º Festival
de Cannes, o vencedor "Entre
les Murs" (entre os muros), do
francês Laurent Cantet, arrebatou os jurados.
"Ele tem tudo o que você
quer de um filme", disse o ator e
cineasta norte-americano Sean
Penn, presidente do júri.
"É um desses raros filmes em
que o alto cinema pode tocar a
todas as pessoas", disse o diretor mexicano Alfonso Cuarón.
"Foi a nossa paixão. Ele vai
além do tema da escola, do tema da periferia e põe a verdadeira questão, que é a democracia", afirmou a quadrinista e diretora franco-iraniana Marjane Satrapi.
O impacto no público do festival também foi notório. Reconhecidos na rua, Cantet e sua
equipe foram espontaneamente aplaudidos ontem, quando
seguiam rumo ao Palácio dos
Festivais.
Diante da ovação intensa que
seguiu ao anúncio da Palma de
Ouro, o diretor premiado e o
presidente do júri se esforçavam para conter as lágrimas.
"O filme que queríamos fazer
deveria ser múltiplo, complexo
e com fricções, tal como a sociedade francesa. Espero não ter
errado", disse Cantet.
Com a decisão -unânime,
segundo Penn- de premiar esse quarto filme de Cantet ("A
Agenda", "Em Direção ao Sul"),
que competiu pela primeira vez
em Cannes, a França quebrou
um jejum de duas décadas sem
vencer a Palma de Ouro -desde "Sob o Sol de Satã" (1987), de
Maurice Pialat.
Imigrantes
"Entre les Murs" é baseado
no livro homônimo de François
Bégaudeau sobre sua experiência como professor numa escola da periferia de Paris.
Os alunos, invariavelmente
pobres, são filhos de imigrantes
de diversas etnias, cujas línguas
maternas vão do mandarim aos
idiomas africanos. Nas aulas de
francês, os conflitos envolvendo o aprendizado -e também a
identidade, a cidadania, a ética,
as regras, os julgamentos, a culpa, o castigo- brotam a toda
hora entre professor e turma.
É o próprio Bégaudeau quem
interpreta o papel do educador,
ou seja, o dele mesmo.
Os 24 alunos da classe que
"Entre les Murs" acompanha
durante um ano letivo são estudantes de uma escola da periferia, escolhidos por Cantet, após
oferecer-lhes uma oficina de
interpretação durante um ano.
Pais e mestres também interpretam no filme situações de
sua vida real.
Todas as cenas se passam na
escola, intramuros portanto.
Embora seja decalcado da vida
real, "Entre les Murs" é cinema
de ficção. "Não saberia fazer
um documentário, ficar esperando que as coisas acontecessem. E acho que os atores são
mais sinceros do que as pessoas
filmadas para um documentário", disse Cantet após a sessão
do filme, anteontem.
Foi também quando o diretor afirmou: "O filme não é politicamente neutro. Trata de
uma das questões mais vivas da
hora [a educação]. Não podíamos tratá-la de forma fria. O
que tentamos foi evacuar ao
máximo a ideologia, mesmo sabendo que ela iria nos agarrar".
Política
Uma premiação de teor político era o que se esperava do júri presidido por Sean Penn, notório por seu engajamento. E
foi o que ocorreu.
Além da Palma de Ouro para
um filme no qual confluem vidas privadas e política pública,
o júri deu o Grande Prêmio (espécie de segundo lugar) ao italiano "Gomorra" (Camorra), de
Matteo Garrone, que desvenda
os mecanismos da máfia napolitana. O jornalista Roberto Saviano, autor do livro no qual o
filme se baseia, foi ameaçado de
morte após a publicação.
Lembrado com o Prêmio do
Júri, o italiano "Il Divo" (o ilustre), de Paolo Sorrentino, expõe os meandros da política de
seu país nas últimas décadas,
com um perfil impiedoso do ex-premiê Giulio Andreotti.
"Che", que foi produzido com
dinheiro europeu, já que o projeto -de US$ 60 milhões (R$
98,9 milhões)- não atraiu investidores americanos, teve o
prêmio para o intérprete do papel-título, Benicio del Toro.
O troféu de roteiro dado aos
irmãos Luc e Jean-Pierre Dardenne por "Le Silence de Lorna" (o silêncio de Lorna) reconheceu uma história sobre o
submundo de imigrantes ilegais na União Européia.
O melhor diretor foi Nuri Bilge Ceylan ("Üç Maymun"), da
Turquia, ainda não-admitida
na União Européia, que disse:
"Quero dedicar esse prêmio ao
meu belo e solitário país, que eu
amo apaixonadamente".
(SILVANA ARANTES)
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