São Paulo, segunda-feira, 26 de maio de 2008

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61º FESTIVAL DE CANNES

Francês leva Palma por unanimidade

"Ele tem tudo o que você quer de um filme", diz o ator e presidente do júri, Sean Penn, sobre "Entre les Murs", o grande vencedor

Diretor Laurent Cantet diz que pretendia realizar "filme múltiplo, complexo e com fricções, tal como a sociedade francesa"


DA ENVIADA A CANNES

Penúltimo dos 22 filmes em competição pela Palma de Ouro a ser exibido no 61º Festival de Cannes, o vencedor "Entre les Murs" (entre os muros), do francês Laurent Cantet, arrebatou os jurados.
"Ele tem tudo o que você quer de um filme", disse o ator e cineasta norte-americano Sean Penn, presidente do júri.
"É um desses raros filmes em que o alto cinema pode tocar a todas as pessoas", disse o diretor mexicano Alfonso Cuarón.
"Foi a nossa paixão. Ele vai além do tema da escola, do tema da periferia e põe a verdadeira questão, que é a democracia", afirmou a quadrinista e diretora franco-iraniana Marjane Satrapi.
O impacto no público do festival também foi notório. Reconhecidos na rua, Cantet e sua equipe foram espontaneamente aplaudidos ontem, quando seguiam rumo ao Palácio dos Festivais.
Diante da ovação intensa que seguiu ao anúncio da Palma de Ouro, o diretor premiado e o presidente do júri se esforçavam para conter as lágrimas.
"O filme que queríamos fazer deveria ser múltiplo, complexo e com fricções, tal como a sociedade francesa. Espero não ter errado", disse Cantet.
Com a decisão -unânime, segundo Penn- de premiar esse quarto filme de Cantet ("A Agenda", "Em Direção ao Sul"), que competiu pela primeira vez em Cannes, a França quebrou um jejum de duas décadas sem vencer a Palma de Ouro -desde "Sob o Sol de Satã" (1987), de Maurice Pialat.

Imigrantes
"Entre les Murs" é baseado no livro homônimo de François Bégaudeau sobre sua experiência como professor numa escola da periferia de Paris.
Os alunos, invariavelmente pobres, são filhos de imigrantes de diversas etnias, cujas línguas maternas vão do mandarim aos idiomas africanos. Nas aulas de francês, os conflitos envolvendo o aprendizado -e também a identidade, a cidadania, a ética, as regras, os julgamentos, a culpa, o castigo- brotam a toda hora entre professor e turma.
É o próprio Bégaudeau quem interpreta o papel do educador, ou seja, o dele mesmo.
Os 24 alunos da classe que "Entre les Murs" acompanha durante um ano letivo são estudantes de uma escola da periferia, escolhidos por Cantet, após oferecer-lhes uma oficina de interpretação durante um ano. Pais e mestres também interpretam no filme situações de sua vida real.
Todas as cenas se passam na escola, intramuros portanto. Embora seja decalcado da vida real, "Entre les Murs" é cinema de ficção. "Não saberia fazer um documentário, ficar esperando que as coisas acontecessem. E acho que os atores são mais sinceros do que as pessoas filmadas para um documentário", disse Cantet após a sessão do filme, anteontem.
Foi também quando o diretor afirmou: "O filme não é politicamente neutro. Trata de uma das questões mais vivas da hora [a educação]. Não podíamos tratá-la de forma fria. O que tentamos foi evacuar ao máximo a ideologia, mesmo sabendo que ela iria nos agarrar".

Política
Uma premiação de teor político era o que se esperava do júri presidido por Sean Penn, notório por seu engajamento. E foi o que ocorreu.
Além da Palma de Ouro para um filme no qual confluem vidas privadas e política pública, o júri deu o Grande Prêmio (espécie de segundo lugar) ao italiano "Gomorra" (Camorra), de Matteo Garrone, que desvenda os mecanismos da máfia napolitana. O jornalista Roberto Saviano, autor do livro no qual o filme se baseia, foi ameaçado de morte após a publicação.
Lembrado com o Prêmio do Júri, o italiano "Il Divo" (o ilustre), de Paolo Sorrentino, expõe os meandros da política de seu país nas últimas décadas, com um perfil impiedoso do ex-premiê Giulio Andreotti.
"Che", que foi produzido com dinheiro europeu, já que o projeto -de US$ 60 milhões (R$ 98,9 milhões)- não atraiu investidores americanos, teve o prêmio para o intérprete do papel-título, Benicio del Toro.
O troféu de roteiro dado aos irmãos Luc e Jean-Pierre Dardenne por "Le Silence de Lorna" (o silêncio de Lorna) reconheceu uma história sobre o submundo de imigrantes ilegais na União Européia.
O melhor diretor foi Nuri Bilge Ceylan ("Üç Maymun"), da Turquia, ainda não-admitida na União Européia, que disse: "Quero dedicar esse prêmio ao meu belo e solitário país, que eu amo apaixonadamente".
(SILVANA ARANTES)


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