|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica
Painel da vida do imigrante é o trunfo de "Jean Charles"
Personagens frágeis debilitam filme
sobre o brasileiro morto em Londres
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
Estamos em Londres,
mas o idioma mais falado em "Jean Charles" é
mesmo o português.
A maioria dos personagens é
formada por brasileiros que foram tentar a vida em libras esterlinas. Muitos mal se comunicam em inglês. Quase todos
se submetem a condições precárias de trabalho e moradia.
Seu maior fantasma é um tal
de "romófis" -o Home Office,
departamento britânico de
imigração. Alguns, no entanto,
já aprenderam o caminho das
pedras. Essa elite da diáspora
está legalizada no país e mantém negócios que oferecem
oportunidades (e um tanto de
conforto) para brasileiros.
Assim, a solidariedade verde
e amarela no exterior revela-se
útil também para arrumar mão
de obra barata e, ao menos em
certo sentido, confiável. Quando conhecemos Jean Charles
(Selton Mello), ele mora na Inglaterra há alguns anos e alcançou um lugar intermediário no
sistema de castas dos imigrantes.
Seus documentos estão em
ordem, mas ele ainda vive na
corda bamba, com o dinheiro
contado. E, embora seja capaz
de abrigar conterrâneos recém-chegados e lhes dar um
empurrãozinho, ainda não tem
o sonhado cacife para empreender um negócio, que garanta trabalho para os outros.
"Jean Charles" não se apresenta apenas como um relato
ficcional -que recorre a procedimentos semidocumentais-
da tragédia individual do protagonista, espécie de ícone do
contingente de brasileiros que
vai buscar fora o que não encontra aqui, a começar por emprego e dinheiro.
O drama que se constrói,
temperado pela violência da
morte de Jean Charles, é coletivo. O diretor Henrique Goldman já havia feito algo semelhante em "Princesa" (2001),
seu longa de estreia.
Ali, mergulhava-se no cotidiano de brasileiros que se
prostituem em Milão. Em
"Jean Charles", escrito por
Goldman e por Marcelo Starobinas, ambos brasileiros radicados no exterior, o maior
trunfo também está na carga de
informação social, sobretudo
para o espectador que não tem
muita ideia do que passam os
expatriados.
Já não se pode dizer o mesmo, no entanto, da dramaturgia
e do trabalho do elenco. Com
exceção de Jean Charles e uma
de suas primas (Vanessa Giácomo), os personagens são construídos de maneira frágil, como
se estivessem ali mais para representar "cotas" na amostragem de brasileiros em Londres
do que para nos convencer de
seus dramas.
Desequilíbrio
A maior parte das atuações
busca um registro mais espontâneo e naturalista, o que, além
de expor deficiências no desenho dos personagens (e também na caracterização dos atores não profissionais), cria um
contraste com a interpretação
forte, absolutamente mercurial, de Selton Mello.
Perto dele, todos ficam opacos e cria-se um desequilíbrio
que, ao esvaziar ou simplificar
em demasia os coadjuvantes,
compromete a ideia de painel.
É graças ao norte dado pelo seu
desempenho, por outro lado,
que o caminho em direção à
anunciada situação catártica do
final gera envolvimento.
Mesmo que Jean Charles
fosse um malandro aproveitador, as circunstâncias de sua
morte seriam igualmente abomináveis. Nessa recriação, contudo, o espírito de dor e revolta
se amplifica porque ele se impõe como um sujeito boa praça
e incansável, que não parece
querer mal a ninguém, e que
curte Sidney Magal.
JEAN CHARLES
Direção: Henrique Goldman
Produção: Reino Unido, 2009
Com: Selton Mello, Vanessa Giácomo
Onde: a partir de hoje nos cines Marabá, Unibanco Arteplex e circuito
Classificação: 14 anos
Avaliação: regular
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Quatro anos depois, ninguém foi punido Índice
|