São Paulo, sexta-feira, 26 de junho de 2009

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Crítica

Painel da vida do imigrante é o trunfo de "Jean Charles"

Personagens frágeis debilitam filme sobre o brasileiro morto em Londres

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Estamos em Londres, mas o idioma mais falado em "Jean Charles" é mesmo o português.
A maioria dos personagens é formada por brasileiros que foram tentar a vida em libras esterlinas. Muitos mal se comunicam em inglês. Quase todos se submetem a condições precárias de trabalho e moradia.
Seu maior fantasma é um tal de "romófis" -o Home Office, departamento britânico de imigração. Alguns, no entanto, já aprenderam o caminho das pedras. Essa elite da diáspora está legalizada no país e mantém negócios que oferecem oportunidades (e um tanto de conforto) para brasileiros.
Assim, a solidariedade verde e amarela no exterior revela-se útil também para arrumar mão de obra barata e, ao menos em certo sentido, confiável. Quando conhecemos Jean Charles (Selton Mello), ele mora na Inglaterra há alguns anos e alcançou um lugar intermediário no sistema de castas dos imigrantes.
Seus documentos estão em ordem, mas ele ainda vive na corda bamba, com o dinheiro contado. E, embora seja capaz de abrigar conterrâneos recém-chegados e lhes dar um empurrãozinho, ainda não tem o sonhado cacife para empreender um negócio, que garanta trabalho para os outros.
"Jean Charles" não se apresenta apenas como um relato ficcional -que recorre a procedimentos semidocumentais- da tragédia individual do protagonista, espécie de ícone do contingente de brasileiros que vai buscar fora o que não encontra aqui, a começar por emprego e dinheiro.
O drama que se constrói, temperado pela violência da morte de Jean Charles, é coletivo. O diretor Henrique Goldman já havia feito algo semelhante em "Princesa" (2001), seu longa de estreia.
Ali, mergulhava-se no cotidiano de brasileiros que se prostituem em Milão. Em "Jean Charles", escrito por Goldman e por Marcelo Starobinas, ambos brasileiros radicados no exterior, o maior trunfo também está na carga de informação social, sobretudo para o espectador que não tem muita ideia do que passam os expatriados.
Já não se pode dizer o mesmo, no entanto, da dramaturgia e do trabalho do elenco. Com exceção de Jean Charles e uma de suas primas (Vanessa Giácomo), os personagens são construídos de maneira frágil, como se estivessem ali mais para representar "cotas" na amostragem de brasileiros em Londres do que para nos convencer de seus dramas.

Desequilíbrio
A maior parte das atuações busca um registro mais espontâneo e naturalista, o que, além de expor deficiências no desenho dos personagens (e também na caracterização dos atores não profissionais), cria um contraste com a interpretação forte, absolutamente mercurial, de Selton Mello.
Perto dele, todos ficam opacos e cria-se um desequilíbrio que, ao esvaziar ou simplificar em demasia os coadjuvantes, compromete a ideia de painel.
É graças ao norte dado pelo seu desempenho, por outro lado, que o caminho em direção à anunciada situação catártica do final gera envolvimento.
Mesmo que Jean Charles fosse um malandro aproveitador, as circunstâncias de sua morte seriam igualmente abomináveis. Nessa recriação, contudo, o espírito de dor e revolta se amplifica porque ele se impõe como um sujeito boa praça e incansável, que não parece querer mal a ninguém, e que curte Sidney Magal.


JEAN CHARLES
Direção: Henrique Goldman
Produção: Reino Unido, 2009
Com: Selton Mello, Vanessa Giácomo
Onde: a partir de hoje nos cines Marabá, Unibanco Arteplex e circuito
Classificação: 14 anos
Avaliação: regular



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