São Paulo, domingo, 26 de junho de 2011 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
A trama oculta de "Roque Santeiro" Fenômeno da teledramaturgia volta ao ar em julho, e Folha revela a novela por trás das câmeras: a da briga entre seus autores
LAURA MATTOS DE SÃO PAULO Clássico da televisão brasileira, "Roque Santeiro" volta ao ar -após 26 anos- em 18 de julho, no canal Viva. A Folha aproveita a reestreia da novela, que seduziu público e crítica, para resgatar a trama não menos intrigante de seus bastidores. Enquanto na tela a briga se dava entre Roque Santeiro (José Wilker) e Sinhozinho Malta (Lima Duarte), por trás das câmeras os antagonistas eram Dias Gomes (1922-1999), o mais importante escritor da Globo na época, e Aguinaldo Silva, então com 42 anos, começando na TV. Dias fez "Roque Santeiro" em 75, mas a novela foi censurada. Em 85, cansado do ritmo da TV, chamou Aguinaldo para trabalhar na nova versão, sob sua supervisão. "Roque" explodiu -era vista por mais de 80% do público. Tornou-se fenômeno de ibope e faturamento. A rivalidade surgiu quando a imprensa passou a fazer reportagens sobre o sucesso. Dias começou a ficar irritado, achando que Aguinaldo se colocava como pai da ideia. O rumo da história passou a dividi-los e, segundo a Folha apurou, por pouco "Roque" não foi outra novela. FALSO MITO A trama girava em torno do falso mito que sustentava a fé e o comércio em Asa Branca. Roque, dado como morto 17 anos antes e feito santo, regressa. Mas os poderosos querem manter o mito. No capítulo 87, antes de a novela chegar à metade, o padre Albano (Cláudio Cavalcanti) reúne as pessoas na praça para contar a verdade. Aguinaldo achava que o argumento original de Dias -que então estava de férias na Europa- se esgotara. Queria que, a partir dali, a novela tratasse da reconstrução da cidade sem o mito. Seus colaboradores, Marcílio Moraes e Joaquim de Assis, o convenceram de que o mito tinha de seguir até o fim. Assim, no momento em que Albano vai falar, o beato Salu (Nelson Dantas) sai do coma: seria um novo milagre de Roque, e o padre desiste. A menos de dois meses do fim da trama, o choque entre os autores se agravou, e a Globo teve de intervir. Dias quis retomar a trama. Aguinaldo não se conformou. A direção teve de convencê-lo a se afastar, e parte da intriga veio a público. O rompimento deixou em situação difícil os colaboradores. "Me senti um tanto constrangido. Eu me dava bem com Aguinaldo, mas fiquei do lado do Dias, que me convidara a colaborar na novela e com quem me identificava mais, política e artisticamente", lembra Marcílio, 66, hoje na Record. "Foi muito chato, era amigo de ambos", diz Assis, 76, hoje colaborador de Moraes. Cartas dos autores, a que a Folha teve acesso, revelam que o clima seguia beligerante um ano e meio depois. PATERNIDADE Eles disputavam direitos autorais; mas, mais do que lucros, o que cada um queria era reivindicar para si a paternidade do fenômeno. Em novembro de 86, Dias escreve a José Bonifácio de Oliveira, o Boni. Diz ao diretor da Globo ser autor de 99 capítulos: os 51 iniciais e os 48 finais -o total era de 209. Ressalta ser autor da peça "Berço do Herói", que deu origem à novela. E "cujos direitos autorais não me foram adquiridos pela Globo". Propõe 60% de participação (50% pelos capítulos e 10% pela peça). Aguinaldo ficaria com 30%, e os outros 10% iriam para os colaboradores. Em dezembro é a vez de Aguinaldo se dirigir a Boni. Afirma que, além de ter feito 110 capítulos, atualizara os iniciais, de 1975. A proposta: 40% para si, 40% para Dias e 20% para os colaboradores. Seu tom é duro: "Nesse instante, do que estou mais precisando é de incentivos, e não que venha alguém minimizar o meu trabalho". Essa foi a divisão acordada pela Globo. Mas a amizade morreu para sempre. Aguinaldo ainda hoje evita o assunto. Já disse que teria voltado a falar com Dias pouco antes da morte do autor, num acidente. A família de Dias, porém, não bota fé nesse último capítulo. Texto Anterior: Mônica Bergamo Próximo Texto: Grampo no telefone levou a novela a ser censurada Índice | Comunicar Erros |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |