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"FORA DO ABRIGO"
Obra do crítico e romancista inglês é realista e contida e se distancia de sua ficção de corte satírico
David Lodge deixa o veredicto para a história
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
"A história é um veredicto
sobre a sorte ou falta de
sorte dos que estavam ou não estavam em determinado lugar." A
frase, dita num momento já avançado do romance "Fora do Abrigo", do inglês David Lodge, encerra algumas camadas de entendimento e de ironia.
No início, o garoto Timothy, de
cinco anos, refugia-se com a mãe
no abrigo antiaéreo dos vizinhos.
Estamos em plena Segunda Guerra, e os alemães bombardeiam
Londres. Num dado momento,
ouve-se uma forte explosão. A vizinha, preocupada com o marido
que está na rua, sai do abrigo. A filha, uma menina da mesma idade
de Timothy, corre atrás. Uma
bomba cai lá fora, matando-as.
Pode-se dizer que as duas não tiveram sorte e que o veredicto sobre o comportamento adequado
teria sido "fique no abrigo"!
Anos mais tarde, Timothy, agora um moço de 16 anos, recebe
um convite da irmã mais velha
Kath para passar as férias dele em
Heidelberg. Kath saíra de casa
pouco antes do fim da guerra e fora trabalhar para os americanos
em Paris. Com o encerramento
do conflito na Europa, transferira-se para a Alemanha.
Em comparação com sua família, que, como todos os ingleses,
passa pelos tempos difíceis da retração econômica do início dos
anos de 1950, ela desfruta de relativa fartura.
A comunidade americana instalada em Heidelberg vive à larga.
Em lojas exclusivas, adquire bens
de consumo financeiramente
proibitivos para os europeus. Aos
americanos, tudo é barato. Eles
passam os dias na piscina (também exclusiva), as noites em bares (não exclusivos, mas segregantes) e festas. Um casal de classe média pode celebrar o aniversário da filhota num barco que
desce pomposamente o rio Neckar. A vida dos estrangeiros é restrita, opulenta, superficial e feliz.
Kath tivera sorte ao aliar-se aos
americanos? É provável. O veredicto: muitas vezes é bom sair do
abrigo (familiar, em seu caso).
Pois é isso o que ela oferece ao irmão: a oportunidade de ele também viver fora do abrigo. Timothy descobre que o "estar-fora" pode ser ao mesmo tempo perigoso e libertador. E que o risco
faz parte da vida.
"Fora do Abrigo" é um "Bildungsroman", um romance de
formação, nos moldes de "Um
Retrato do Artista Quando Jovem". Ao contrário da obra de James Joyce, porém, que termina na
partida do protagonista para Paris, Lodge acompanha o personagem pela educativa viagem ao
continente europeu. No posfácio,
o autor revela que também tinha
em mente o romance "The Ambassadors", de Henry James.
Como no livro do americano,
temos um personagem central,
cujo ponto de vista acompanhamos e que age na função de emissário para interesses domésticos.
Timothy carrega consigo a dúvida
da mãe, que acredita que a filha se
afastou da moral cristã onde se
criou. O rapaz deve averiguar a situação e talvez reconduzir a irmã
ao seio familiar. Como o herói do
romance jamesiano, é ele quem
"se perde", descobrindo o fervilhar da vida ainda que (ou, sobretudo) em meio a um ambiente social supostamente decadente.
"Fora do Abrigo" é a obra mais
autobiográfica de Lodge. Realista
e contida, não exibe o mesmo humor de sua ficção de corte satírico, como "Small World" e "Paradise News". Também derrapa na
resolução de uma subintriga romanesca, que surge mais para o
final. Mas é digno e revela uma tênue nota epicurista. Como quando o jovem Timothy reflete sobre
a enormidade da frase que abriu
estas considerações e chega à seguinte conclusão: "Mas o que podemos fazer senão seguir em frente, com medo e tremendo, esperando que nossa sorte seja suficiente?".
Fora do Abrigo
Autor: David Lodge
Tradutor: Therezinha Monteiro Deutsch
Editora: Best Seller
Quanto: a definir (368 págs.)
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