São Paulo, terça-feira, 26 de julho de 2005
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FERNANDO BONASSI Os ricos também choram
Os ricos também choram, é
claro. Não raro, em primeiro lugar, os ricos choram de alegria por não serem pobres como
os outros. Há, na menor valia da
miséria alheia, uma indigência
que não podem tolerar em suas
existências, estâncias, indústrias
ou fazendas, onde o equipamento
e o gado são bem tratados para
dar bom exemplo aos empregados sub-remunerados que lhes
lambem as botas de segurança ou
pregam-lhes a ferradura da vingança. É que os ricos também
choram porque, embora não seja
um questão legal para sua imagem, a carência geral é a conseqüência natural de suas vantagens. Não tem jeito: ou cobrem os
pés enregelados nas estações de
esqui ou a cabeça com aviões fretados e cortes de cabelo assinados.
Os ricos choram de desconfiança,
podendo ser atacados por seus
advogados em legítima defesa! Os
ricos choram desolados em suas
mesas porque jamais poderão comer ou beber todas as que seu dinheiro pode prover, por mais jantares que ofereçam ou recepções a
que compareçam. Os ricos também choram porque têm dilemas
infernais com as enormes necessidades materiais em meio a tantos
requisitos emocionais ou espirituais de sua condição; choram
porque Deus os deixou culpados
com certas cenas bíblicas, onde os
templos profanados por comerciantes afobados serve de sedução
e até de exemplo para os cristãos
martirizados ou simplesmente esfomeados. São convidados especiais com despesas proporcionais
ao seu senso estético, por mais absurdos e patéticos que pareçam,
vestidos com suas peladas em revistas patrocinadas. E assim choram os ricos porque pagam os micos de seus dízimos, mas gostariam de tê-los poupados do fogo
do inferno em que crepitam com
desejos e artigos de vitrine. Sublimes, ameaçados e amealhados
por todos os lados, os ricos choram de medo, já que a blindagem
de seus carros importados foi vencida pelo calibre dos seqüestradores bem armados que se atiram
por cima deles nessas ruas de
amargura onde trafegam entre a
ginástica e a plástica. Evidentemente, os ricos podem ser generosos eventualmente; chorando porque nem todos são ricos como
eles. Os ricos gostariam que todos
fossem ricos e lamentam muito
que assim não seja, chorando de
tristeza. Não que avancem além
disso, pois cada indivíduo de sua
classe tem a sua própria classe de
problemas, os quais, em se falando de riqueza, devem mesmo ser
monumentais, como a renda que
concentram em bacanais financeiras de arrepiar os mais vigaristas entre os comunistas realistas.
Choram pela aparência desleixada com que são presos em atitude
suspeita, sem roupas adequadas,
a maquiagem desfeita, sem saber
que seriam fotografados e fichados para 15 minutos de fama ocasional no telejornal nacional. Os
ricos também choram porque sabem, bem ou mal, que têm lágrimas de crocodilos embalsamados
incrustados em suas bolsas, acessórios e calçados. Porque, ao se
acertarem com alguns impostos,
se sentem invadidos nos fundos
íntimos dos patrimônios que juntam em matrimônios consangüíneos. São uma classe unida até
que a morte, o divórcio ou o tédio
burguês separe uns dos outros.
São, assim, nobres em seus dramas barrocos, chorando como
loucos ante as incertezas dos negócios em que se metem para gozar os benefícios que julgam merecer. Julgam bem, aliás. Os outros, carneiros, burros ou simplesmente patos, é que se julgam mal
e se dão essas penas perpétuas nas
cadeias de produção. Os ricos
choram porque jamais terão um
acidente de trabalho, tampouco
experiências ruins com as exigências das coisas poucas do dia-a-dia que atingem os que saem em
busca do prato de comida como se
lutassem uma interminável batalha de sobreviventes. Em seu ócio
produtivo aparente, aumentam o
capital acumulado simplesmente
deixando-o parado, fingindo-se
de mortos como se fossem cartas
fora do baralho ou estivessem
num paraíso do Caribe. Os ricos
choram por causa da fumaça dos
helicópteros que rasgam os céus
de São Paulo, São João e Santo
Antônio, para os quais os traficantes soltam fogos de artifício.
Os ricos também choram por ofício, podendo ser atores esquecidos, ter ciscos nos olhos injetados,
aparelhos nos ouvidos encerados
ou poeira nos narizes empinados.
Os ricos choram porque têm dificuldade com a herança e a hereditariedade de suas crianças; afinal, precisam empregar os filhos
improdutivos ou adotivos uns dos
outros em atividades tão rentáveis para as autoridades agraciadas que estas possam garantir-lhes a folha corrida no dia do pagamento... ou do enforcamento. A
vida de um rico é cheia de gargantas inflamadas por prantos e
lamentos! Preferiam é a paisagem
de Versalhes às mensagens da
Marselhesa enquanto descansam
na Riviera Francesa... mas o que
se há de fazer?! Os tempos são outros, ainda que os ricos chorem
porque têm fome de barriga cheia
e gastem com dietas para tirar
com um bisturi da cintura aquilo
que as suas facadas lhes renderam em baixelas de prata. Os ricos choram porque são traídos
por esposas, por maridos, por
amantes ou mesmo por porteiros
de edifícios escolhidos a dedo para serem escravizados em edículas ridículas. Pode ser que os ricos
chorem porque são ingênuos ou
apenas frescos, enquanto os outros são mais maduros ou duros
mesmo. Os ricos também choram
quando cortam cebolas para assados e cozidos ou simplesmente
porque quem não chora não mama em teu seio, não é mesmo, "ó
liberdade"? Os ricos, por fim, também choram de luto ou de raiva,
pois não gostam de morrer. Gritam de indignação porque não há
negociação: apenas morrer, dormir... Há assim pelo menos uma
coisa que um rico infeliz não pode
comprar, mesmo um rico chorão
que desfrute deste país... então ele
se põe a chorar.
@ - fbonassi@uol.com.br Texto Anterior: "Reality show": "Projeto 48" mostra seu terceiro curta Próximo Texto: Fotografia: Lente de Marc Ferrez foca o Brasil em transformação Índice |
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