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ENTREVISTA COM WERNER HERZOG
O selvagem
O cineasta Werner Herzog lança diários dos anos em que filmou na Amazô nia e fala das paixões pela escrita e pelo Brasil
Divulgação
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Herzog, que publica "Conquest of the Useless" (a conquista do inútil)
FERNANDA EZABELLA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM LOS
ANGELES
Werner Herzog, 66, mora a
dez minutos de carro da calçada da fama de Hollywood, embora seu nome não esteja lá e
ele faça questão de se esconder
da vida social da cidade.
O cineasta alemão, autor de
"Aguirre - A Cólera dos Deuses" (1972) e "O Homem Urso"
(2005), passa parte do ano viajando por lugares remotos, onde filmou os últimos trabalhos.
E lançou um livro em inglês,
"Conquest of the Useless" (Ecco Press, 320 págs., US$ 25, importado), no qual reúne diários
dos dois turbulentos anos em
que fez "Fitzcarraldo" (1982)
na selva amazônica.
Uma caixa de livros a serem
autografados está no canto da
sala de sua casa aparentemente
modesta, no pacato bairro de
Laurel Canyon, em Los Angeles. Um gato circula pelo ambiente, enquanto o diretor conversa num quintal com a reportagem da Folha sobre sua paixão pela escrita -"acho que
meus textos são melhores do
que meus filmes"- e pelo Brasil -"Garrincha é o maior de
todos os meus heróis".
Ao final da entrevista, Herzog dá uma carona para a reportagem até a famosa Mulholland Drive. Entre risadas, conta como foi ignorado por décadas pela "Cahiers du Cinéma"
até recentemente, quando a revista francesa resolveu entrevistá-lo e desculpar-se pela
omissão. "O repórter estava
sem graça, mas eu não podia
imaginar coisa melhor!" Leia a
seguir trechos da entrevista:
FOLHA - Logo no início dos diários,
o senhor sente que será caótico fazer o filme. Por quê?
WERNER HERZOG - Minhas finanças eram muito limitadas. E eu
tinha que construir dois navios
idênticos, mas em Iquitos [Peru] não havia infraestrutura para isso [...] Ou seja, fiquei sem
dinheiro muito cedo. Mas houve muitos outros motivos.
Construi um acampamento para 1.100 pessoas no meio da selva que foi atacado e incendiado.
Depois, tive dois acidentes de
avião. Tudo o que você imaginar... Foi um trabalho duro.
FOLHA - E a pergunta inevitável...
faria tudo de novo?
HERZOG - Certamente sim. A
mesma pergunta me foi feita
quando mandamos todos os
negativos do filme para um laboratório em Munique e tudo
desapareceu. E, por uma questão de acionar o seguro, me perguntaram se eu teria coragem
de filmar tudo de novo [...] Levamos uma semana para achá-los, em Manila, nas Filipinas.
FOLHA - O senhor disse que ficou
20 anos sem ler os diários por ser algo doloroso. Tinha a mesma relação
com o filme?
HERZOG - Não. Alguma coisa
me mantinha longe do livro.
Mas eu gosto do livro, acho que
minha escrita é melhor do que
meus filmes. O livro viverá
mais do que o filme.
FOLHA - Por quê?
HERZOG - O texto tem mais
substância. Minha prosa é melhor do que meus filmes. Não é
um relatório. É poesia. Em outras palavras, minha poesia irá
durar mais do que meus filmes.
FOLHA - O senhor está escrevendo
outros livros?
HERZOG - Irei para a Índia por
dez dias, em agosto, para ouvir
uma história. Mas não sei se
irei escrever algo. Vou escutar
um homem, não posso dizer
quem é.
FOLHA - Em seus filmes e no livro,
aparecem alguns brasileiros. Lembra-se de como os conheceu?
HERZOG - Não, foi quase quatro
décadas atrás. Mas eu era bem
próximo de Glauber Rocha,
Carlos Diegues, Grande Otelo e
José Lewgoy. A gente via os filmes uns dos outros toda vez
que eu estava no Rio, eu ficava
na casa do Ruy Guerra.
FOLHA - E sobre Glauber Rocha?
HERZOG - Eu o conheci em Berkeley (EUA), quando ele morava na casa de Tom Luddy [organizador do Telluride Film Festival]. Sempre que eu ia para a
região de San Francisco, ficava
na casa de Luddy [em meados
dos anos 70]. E, no quarto ao lado do meu, estava Glauber,
sempre caótico [risos]. Era maravilhoso conversar com ele. Às
vezes, às 3h da manhã, ele vinha
bater na minha porta com uma
ideia maluca. E eu, ainda meio
sonolento, ficava ouvindo.
Conversávamos sobre cinema,
mulheres, sobre a vida.
FOLHA - Quais filmes o senhor viu
no Brasil?
HERZOG - A coisa mais surpreendente para mim foi ver "O
Enigma de Kaspar Hauser" em
São Paulo. Você vê, os franceses
sempre falam de "Aguirre". E
todo mundo em São Paulo só
falava de "Kasper Hauser". Até
os taxistas! E quando você conversa com alguém no Brasil,
sempre pegam na sua mão, te
abraçam. Carlos Diegues sempre me dizia: "Venha pro Brasil,
as mulheres são maravilhosas",
e nós nos abraçávamos, suados.
No Brasil, é tudo tátil, pele e,
então, de repente, os brasileiros pareciam apaixonados pelo
filme mais calmo e profundo
que eu já fiz. O Brasil é sempre
uma surpresa para mim.
FOLHA- O senhor tem ideia de
quantas vezes já esteve no Brasil?
HERZOG - Não, eu perco a noção
do tempo. Para você ter uma
ideia, nem sei que dia da semana é hoje. Mas posso dar uma
resposta decente: eu nunca fiquei tempo suficiente no Brasil. Eu realmente gostaria de ficar mais tempo no Nordeste.
Lá é onde o meu coração está.
Não tanto o Rio de Janeiro ou a
Amazônia. É o Nordeste. É a
poesia do Nordeste.
FOLHA - E alguns de seus projetos
futuros se passam no Nordeste?
HERZOG - Não. Mas, se eu tivesse um, iria imediatamente para
lá fazê-lo.
FOLHA - Das passagens pelo Brasil,
lembra-se dos jogos de futebol?
HERZOG - Claro. Sempre que
vou ao Brasil, a primeira coisa
que eu tento fazer é ver um jogo
de futebol [...] É uma alegria
enorme estar com brasileiros
no estádio, cantando com eles.
FOLHA- Por que essa alegria toda?
HERZOG - Porque é a alegria do
povo. E a maior de todas as alegrias era o Garrincha. Ele é o
maior de todos os meus heróis.
O Brasil foi abençoado em ter
um homem como Garrincha.
FOLHA - Conseguiu vê-lo jogar?
HERZOG - Acho que o vi jogar
uma vez, em Munique, quando
eu era muito jovem [...]. Há outros grandes jogadores, como
Pelé, o maior de todos eles, mas
Garrincha é coração, é poesia. E
quando eu falo do Garrincha,
do meu amor por ele, é da mesma forma que eu amo o Brasil,
simples assim.
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