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São Paulo, terça-feira, 26 de agosto de 2003

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FESTIVAL MÚSICA NOVA

Um clarinete e tanto para homenagear Berio

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Quem botou fogo na tarde foi o clarinetista Luis Afonso Montanha e é justo que se comece com ele. Tocou a "Sequenza 9", para clarinete solo, de Berio (1925-2003), como se fosse o autor, improvisando na hora os mirabolantes arabescos -que é o que essa música pede, mas raramente se vê. Foi uma homenagem e tanto ao compositor italiano, fechando o concerto de anteontem no Teatro São Pedro.
Cada concerto de música contemporânea é uma homenagem à música contemporânea; e o Festival Música Nova, em especial, sempre teve esse caráter de tributo e festa. Chega agora à 38ª edição: fundado em 1962 pelo compositor Gilberto Mendes, foi interrompido entre 1965 e 1967, durante o regime militar, e cancelado pelo mestre santista no ano passado, em protesto "contra a falta de respeito". Graças a Lorenzo Mammì (Maria Antonia/USP) e Luiz Gustavo Petri (Sinfônica Municipal de Santos), retorna neste ano para uma semana intensa de concertos, aqui e na Baixada.
Será uma chance de escutar coisas novas de nomes como Edson Zampronha, Hermelino Neder e Rodolfo Coelho de Souza, lado a lado com o inglês Lawrence Casserley, a francesa Françoise Choveaux e o espanhol Jesús Jara, entre muitos outros.
Se a "Homenagem a Luciano Berio" não teve todo o lustro que se esperava, isto se deve, paradoxal, mas tristemente, à falta de músicos. Quer dizer: falta de músicos para fazer música contemporânea. A opção salvadora foi a música eletroacústica.
Foram apresentadas três composições de Berio, todas do período heróico da "música nova": "Momenti", de 1960, "Thema (Ommagio a Joyce)", de 1958, e a monumental "Visage", de 1961, que sintetiza a experiência até então com o uso de sintetizadores e voz humana. Nem tudo resiste, mas a força da imaginação de Berio se faz ouvir em cada chiado.
Responsável pela difusão eletroacústica, Flo Menezes mantém o hábito de tocar essas peças no escuro. É a forma clássica, desconfortável para uma platéia num teatro. O que não justifica o barulho de algumas senhoras ao fundo -castigadas por uma saraivada verbal, nem bem "Visage" acabou. Foi baixaria, mas teve seu papel simbólico: um bando de moleques passando uma carraspana em três tias, que não sabem se comportar num concerto.
Foi curioso escutar essas peças junto com as "Quattro Canzoni Popolari" (1947), cantadas por Andrea Kaiser, acompanhada por Rosana Civile. Mesmo ali já se adivinha o impulso mais fundo, misto de melancolia e esperança, que uma peça como a "Sequenza 9" realiza em tom maduro. Mesmo a "Sequenza 1" (1958), para flauta solo, tocada por Cássia Carrascoza, ainda guarda um quê de juventude programática -no caso, a exploração da escuta polifônica (pela alteração rápida de tipos de figura sonora).
Tudo em Berio converge para uma espécie de teatro musical. Tanto maior o efeito da interpretação de Montanha, gingando jazzisticamente no palco à medida que se deslocava, lendo a partitura na "sequência" de estantes.
A "Sequenza 9" é uma única longa melodia, que articula dois campos harmônicos (um com alturas fixas, recorrentes; outro variável). Essa é a descrição técnica. A memória não fala nesse tons. Um concerto, convenhamos, muito frio, terminou em ebulição.


Avaliação:    

Mais informações sobre o festival, que vai até a próxima segunda-feira, no site www.festivalmusicanova.com.br


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