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FESTIVAL MÚSICA NOVA
Um clarinete e tanto para homenagear Berio
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Quem botou fogo na tarde foi
o clarinetista Luis Afonso
Montanha e é justo que se comece
com ele. Tocou a "Sequenza 9",
para clarinete solo, de Berio
(1925-2003), como se fosse o autor, improvisando na hora os mirabolantes arabescos -que é o
que essa música pede, mas raramente se vê. Foi uma homenagem
e tanto ao compositor italiano, fechando o concerto de anteontem
no Teatro São Pedro.
Cada concerto de música contemporânea é uma homenagem à
música contemporânea; e o Festival Música Nova, em especial,
sempre teve esse caráter de tributo e festa. Chega agora à 38ª edição: fundado em 1962 pelo compositor Gilberto Mendes, foi interrompido entre 1965 e 1967, durante o regime militar, e cancelado pelo mestre santista no ano
passado, em protesto "contra a
falta de respeito". Graças a Lorenzo Mammì (Maria Antonia/USP)
e Luiz Gustavo Petri (Sinfônica
Municipal de Santos), retorna
neste ano para uma semana intensa de concertos, aqui e na Baixada.
Será uma chance de escutar coisas novas de nomes como Edson
Zampronha, Hermelino Neder e
Rodolfo Coelho de Souza, lado a
lado com o inglês Lawrence Casserley, a francesa Françoise Choveaux e o espanhol Jesús Jara, entre muitos outros.
Se a "Homenagem a Luciano
Berio" não teve todo o lustro que
se esperava, isto se deve, paradoxal, mas tristemente, à falta de
músicos. Quer dizer: falta de músicos para fazer música contemporânea. A opção salvadora foi a
música eletroacústica.
Foram apresentadas três composições de Berio, todas do período heróico da "música nova":
"Momenti", de 1960, "Thema
(Ommagio a Joyce)", de 1958, e a
monumental "Visage", de 1961,
que sintetiza a experiência até então com o uso de sintetizadores e
voz humana. Nem tudo resiste,
mas a força da imaginação de Berio se faz ouvir em cada chiado.
Responsável pela difusão eletroacústica, Flo Menezes mantém
o hábito de tocar essas peças no
escuro. É a forma clássica, desconfortável para uma platéia num
teatro. O que não justifica o barulho de algumas senhoras ao fundo
-castigadas por uma saraivada
verbal, nem bem "Visage" acabou. Foi baixaria, mas teve seu papel simbólico: um bando de moleques passando uma carraspana
em três tias, que não sabem se
comportar num concerto.
Foi curioso escutar essas peças
junto com as "Quattro Canzoni
Popolari" (1947), cantadas por
Andrea Kaiser, acompanhada por
Rosana Civile. Mesmo ali já se
adivinha o impulso mais fundo,
misto de melancolia e esperança,
que uma peça como a "Sequenza
9" realiza em tom maduro. Mesmo a "Sequenza 1" (1958), para
flauta solo, tocada por Cássia Carrascoza, ainda guarda um quê de
juventude programática -no caso, a exploração da escuta polifônica (pela alteração rápida de tipos de figura sonora).
Tudo em Berio converge para
uma espécie de teatro musical.
Tanto maior o efeito da interpretação de Montanha, gingando jazzisticamente no palco à medida
que se deslocava, lendo a partitura na "sequência" de estantes.
A "Sequenza 9" é uma única
longa melodia, que articula dois
campos harmônicos (um com alturas fixas, recorrentes; outro variável). Essa é a descrição técnica.
A memória não fala nesse tons.
Um concerto, convenhamos,
muito frio, terminou em ebulição.
Avaliação:
Mais informações sobre o festival, que
vai até a próxima segunda-feira, no site
www.festivalmusicanova.com.br
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