São Paulo, sexta-feira, 26 de agosto de 2005

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"PROCURA-SE UM AMOR - QUE GOSTE DE CACHORROS"

Tradicionalismo da comédia romântica une navegantes

CLAUDIO SZYNKIER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Não há horror maior que a solidão, é o que as comédias românticas nos dizem. Não por acaso, o que os filmes do gênero, em seu tradicionalismo, manipulam é exatamente um desejo arraigado, meio infantil, de constituição familiar. Desejo nosso e dos personagens.
É aqui que chegamos a "Procura-se um Amor - Que Goste de Cachorros", com seu detalhe: os personagens já concretizaram a família, mas já fracassaram também. Sarah (Diane Lane) é "tia" do primário, refazendo-se de um divórcio. Estar só é a condição também de Jake (John Cusack, magnético), dispensado de um casamento, seguindo em frente apesar da dor de cotovelo.
O que temos é gente mais ou menos experiente, mas de volta aos primeiros passos, como novatos. Meio suspensos na vida, vacilantes no mapeamento de uma rota, mas crentes na idéia de encontrar alguém para ficar junto, para um novo ninho -o horror da solidão, afinal, assombra. Para primeiros passos, o filme oferece, portanto, a navegação. Nada mais justo: esse movimento náutico remete aos instintos exploratórios, contempla primeiros passos da própria civilização. Caprichoso, Jake é artesão de barcos que, com acabamento rústico, evocam a época dos 1.500; Sarah e Jake descobrem a navegação virtual da internet, por ela se conhecem.
É nessa lógica oceânica que o roteiro avança e atinge alguma verdade humana, via ambigüidades, caminhos tortos e frustrações -deles e nossas. Jake e Sarah, flutuando, se arriscarão na inconseqüência e em um estado de aventura meio à moda da mitologia naval dos "conquistadores". Por exemplo, Sarah gosta de Jake, mas a percepção de que ele responde à sua utopia de fraterna arquitetura familiar passa por apostar convictamente e se machucar com o pai cafajeste, e atraente, de um aluno: Jake é um "príncipe" falível. Não é absoluto, nem no nosso imaginário nem no dela.
O diretor, no entanto, não tem a veia navegante e não faz mais do que converter, a toque de caixa, o script em imagens. Há, no ar, o perfume de um universo de fofura, com cães meigos e o aconchego de paz suburbana fantasiosa que cerca os dois. Um universo a ser digerido e até confrontado com o roteiro e sua dinâmica. A câmera de Goldberg, porém, não capta muito e, fechada, nem nos convida a isso, já que a meta é de um praticismo industrial para o olhar: o filme não pode existir como um mundo, apenas como estrutura de reprodução do escrito, para a "segurança" do público. Nessa aridez dramática, a magia, essencial num filme como este, torna-se estéril.


Procura-se um Amor - Que Goste de Cachorros
Must Love Dogs
  
Direção: Gary David Goldberg
Produção: EUA, 2005
Com: Diane Lane, John Cusack
Quando: a partir de hoje nos cines Jardim Sul, Metrô Santa Cruz e circuito


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