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"PROCURA-SE UM AMOR - QUE GOSTE DE CACHORROS"
Tradicionalismo da comédia romântica une navegantes
CLAUDIO SZYNKIER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Não há horror maior que a
solidão, é o que as comédias
românticas nos dizem. Não por
acaso, o que os filmes do gênero,
em seu tradicionalismo, manipulam é exatamente um desejo arraigado, meio infantil, de constituição familiar. Desejo nosso e
dos personagens.
É aqui que chegamos a "Procura-se um Amor - Que Goste de
Cachorros", com seu detalhe: os
personagens já concretizaram a
família, mas já fracassaram também. Sarah (Diane Lane) é "tia"
do primário, refazendo-se de um
divórcio. Estar só é a condição
também de Jake (John Cusack,
magnético), dispensado de um
casamento, seguindo em frente
apesar da dor de cotovelo.
O que temos é gente mais ou
menos experiente, mas de volta
aos primeiros passos, como novatos. Meio suspensos na vida, vacilantes no mapeamento de uma
rota, mas crentes na idéia de encontrar alguém para ficar junto,
para um novo ninho -o horror
da solidão, afinal, assombra. Para
primeiros passos, o filme oferece,
portanto, a navegação. Nada mais
justo: esse movimento náutico remete aos instintos exploratórios,
contempla primeiros passos da
própria civilização. Caprichoso,
Jake é artesão de barcos que, com
acabamento rústico, evocam a
época dos 1.500; Sarah e Jake descobrem a navegação virtual da internet, por ela se conhecem.
É nessa lógica oceânica que o
roteiro avança e atinge alguma
verdade humana, via ambigüidades, caminhos tortos e frustrações
-deles e nossas. Jake e Sarah, flutuando, se arriscarão na inconseqüência e em um estado de aventura meio à moda da mitologia
naval dos "conquistadores". Por
exemplo, Sarah gosta de Jake, mas
a percepção de que ele responde à
sua utopia de fraterna arquitetura
familiar passa por apostar convictamente e se machucar com o pai
cafajeste, e atraente, de um aluno:
Jake é um "príncipe" falível. Não é
absoluto, nem no nosso imaginário nem no dela.
O diretor, no entanto, não tem a
veia navegante e não faz mais do
que converter, a toque de caixa, o
script em imagens. Há, no ar, o
perfume de um universo de fofura, com cães meigos e o aconchego de paz suburbana fantasiosa
que cerca os dois. Um universo a
ser digerido e até confrontado
com o roteiro e sua dinâmica. A
câmera de Goldberg, porém, não
capta muito e, fechada, nem nos
convida a isso, já que a meta é de
um praticismo industrial para o
olhar: o filme não pode existir como um mundo, apenas como estrutura de reprodução do escrito,
para a "segurança" do público.
Nessa aridez dramática, a magia,
essencial num filme como este,
torna-se estéril.
Procura-se um Amor - Que Goste de Cachorros
Must Love Dogs
Direção: Gary David Goldberg
Produção: EUA, 2005
Com: Diane Lane, John Cusack
Quando: a partir de hoje nos cines Jardim Sul, Metrô Santa Cruz e circuito
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