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Crítica/história
Jornalista investiga história das polacas
OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Encrenca é uma palavra
de origem obscura.
Uma etimologia possível é a expressão iídiche "ein
krenk", que significa "um doente". Era assim, pelo menos, que
as polacas se referiam a um
cliente suspeito de ter doença
venérea. A contribuição lexical,
mencionada por Isabel Vincent
em "Bertha, Sophia e Rachel - A
Sociedade da Verdade e o Tráfico das Polacas nas Américas",
sugere a popularidade que tiveram no Brasil as prostitutas
vindas da Europa Oriental.
A história das polacas, que
remonta a meados da segunda
metade do século 19, nada tem
da leveza do folclore que as
acompanha. Até o início da Segunda Guerra, em 1939, elas
chegaram ao país aos milhares,
ainda meninas, traficadas por
mafiosos judeus, que as buscavam em paupérrimas comunidades judaicas da Polônia -o
que lhes valeu o apelido- e de
outros países da região.
O método de aliciamento
descrito por Isabel Vincent,
mesmo para quem não desconhece relatos contemporâneos
de prostituição infantil, é perturbador. Sophia, uma das personagens, nascida numa família com valores profundamente
religiosos, foi vendida aos 13
anos pelo pai, após um encontro fortuito com um proxeneta
numa praça pública em Varsóvia. Para salvar as aparências,
eles se casam antes de viajar,
uma cerimônia rápida e sem
validade. Não é uma história
muito diferente da de outras
meninas judias que aportaram
no Brasil para trabalhar em
bordéis de porto.
O foco do livro é a inédita associação que as polacas criaram
para enfrentar a rejeição da comunidade judaica. Em 1906,
quase dez anos depois da morte
de Sophia, elas fundaram e financiaram a Associação Beneficente e Funerária Judaica,
que chamavam de Sociedade da
Verdade. Mais tarde, conseguiram o terreno do cemitério, em
Inhaúma, no Rio. Ocorreu o
mesmo em São Paulo. Era a garantia de que não seriam mais
enterradas de forma indigna. A
sociedade, que chegou a ter sinagoga, se manteria até 1968,
quando foi fechada por falta de
recursos.
A memória das polacas é incômoda para a comunidade judaica. Muitas deixaram descendentes, que preferem não
tocar no assunto. "Há um código de silêncio", anotou a autora,
jornalista investigativa canadense que morou no Rio e escreveu um livro consistente sobre os canadenses envolvidos
no seqüestro do empresário
Abílio Diniz, em 1989.
Essa barreira imposta pelos
judeus é responsável pelo que o
livro tem de pior e melhor. A falha é a grande quantidade de
suposições; o mérito da autora
é o de, apesar das dificuldades
de apuração, ter colocado o
projeto de pé.
OSCAR PILAGALLO, jornalista, é editor das revistas "EntreLivros" e "História Viva", e autor
de "A História do Brasil no Século 20" (em cinco
volumes, pela Publifolha).
BERTHA, SOPHIA E RACHEL - A SOCIEDADE DA VERDADE E O
TRÁFICO DAS POLACAS NAS AMÉRICAS
Autor: Isabel Vincent
Tradução: Alexandre Martins
Editora: Relume Dumará
Quanto: R$ 39,90 (248 págs.)
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