São Paulo, sábado, 26 de agosto de 2006

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Crítica/história

Jornalista investiga história das polacas

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Encrenca é uma palavra de origem obscura. Uma etimologia possível é a expressão iídiche "ein krenk", que significa "um doente". Era assim, pelo menos, que as polacas se referiam a um cliente suspeito de ter doença venérea. A contribuição lexical, mencionada por Isabel Vincent em "Bertha, Sophia e Rachel - A Sociedade da Verdade e o Tráfico das Polacas nas Américas", sugere a popularidade que tiveram no Brasil as prostitutas vindas da Europa Oriental.
A história das polacas, que remonta a meados da segunda metade do século 19, nada tem da leveza do folclore que as acompanha. Até o início da Segunda Guerra, em 1939, elas chegaram ao país aos milhares, ainda meninas, traficadas por mafiosos judeus, que as buscavam em paupérrimas comunidades judaicas da Polônia -o que lhes valeu o apelido- e de outros países da região.
O método de aliciamento descrito por Isabel Vincent, mesmo para quem não desconhece relatos contemporâneos de prostituição infantil, é perturbador. Sophia, uma das personagens, nascida numa família com valores profundamente religiosos, foi vendida aos 13 anos pelo pai, após um encontro fortuito com um proxeneta numa praça pública em Varsóvia. Para salvar as aparências, eles se casam antes de viajar, uma cerimônia rápida e sem validade. Não é uma história muito diferente da de outras meninas judias que aportaram no Brasil para trabalhar em bordéis de porto.
O foco do livro é a inédita associação que as polacas criaram para enfrentar a rejeição da comunidade judaica. Em 1906, quase dez anos depois da morte de Sophia, elas fundaram e financiaram a Associação Beneficente e Funerária Judaica, que chamavam de Sociedade da Verdade. Mais tarde, conseguiram o terreno do cemitério, em Inhaúma, no Rio. Ocorreu o mesmo em São Paulo. Era a garantia de que não seriam mais enterradas de forma indigna. A sociedade, que chegou a ter sinagoga, se manteria até 1968, quando foi fechada por falta de recursos.
A memória das polacas é incômoda para a comunidade judaica. Muitas deixaram descendentes, que preferem não tocar no assunto. "Há um código de silêncio", anotou a autora, jornalista investigativa canadense que morou no Rio e escreveu um livro consistente sobre os canadenses envolvidos no seqüestro do empresário Abílio Diniz, em 1989.
Essa barreira imposta pelos judeus é responsável pelo que o livro tem de pior e melhor. A falha é a grande quantidade de suposições; o mérito da autora é o de, apesar das dificuldades de apuração, ter colocado o projeto de pé.


OSCAR PILAGALLO, jornalista, é editor das revistas "EntreLivros" e "História Viva", e autor de "A História do Brasil no Século 20" (em cinco volumes, pela Publifolha).

BERTHA, SOPHIA E RACHEL - A SOCIEDADE DA VERDADE E O TRÁFICO DAS POLACAS NAS AMÉRICAS   
Autor: Isabel Vincent
Tradução: Alexandre Martins
Editora: Relume Dumará
Quanto: R$ 39,90 (248 págs.)


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