São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2004

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O DECLÍNIO DO IMPÉRIO

Para especialistas, novas tecnologias formam uma geração que não se contenta com as loirinhas

Disputa envolve game, internet e TV paga

DA REPORTAGEM LOCAL

Em 1983, quando a então modelo Xuxa Meneghel estreou como apresentadora do "Clube da Criança", na TV Manchete, a única preocupação das emissoras eram os canais concorrentes.
A Globo corria atrás da descoberta da Manchete, que era assediada pelo SBT, que tentava contratar a nova carinha da Record. E a programação infantil se resumia à compra de desenhos enlatados e a um vaivém de loirinhas e de seus cachês cada vez mais gordos.
Do tempo em que o Atari chegava ao Brasil até hoje, a fórmula para conquistar a audiência infantil tornou-se bem mais complexa. Para especialistas, a televisão aberta passou a disputar a atenção dos baixinhos e dos anunciantes com internet, canais pagos e a enxurrada de games.
"Houve uma época em que as manhãs das TVs eram basicamente preenchidas por programas de auditório com loiras. A chegada da TV paga e de outras mídias ajudou a mudar esse panorama. A criança de hoje não é mais a mesma que ficava somente exposta à TV aberta. E esse novo cardápio de mídias pulverizou os anunciantes", diz Dora Câmara, diretora do Ibope Mídia.
Na Band, Marlene Mattos demonstra estar de olho na mudança de comportamento da nova geração. "Tenho muita preocupação com as crianças que já nascem e são apresentadas ao computador, à internet. Elas são bombardeadas por um excesso de informação que é nocivo", diz.
Luís Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação, afirma que a programação infantil da emissora tem de se modernizar constantemente. "Esse público passa por freqüentes mudanças e sofre diferentes influências."
A Record não fala oficialmente sobre o assunto, mas a concorrência com outras mídias foi um fator decisivo para acabar com o programa de Eliana e restringir a oferta de infantis a desenhos nas manhãs de sábado e domingo.
O faturamento de merchandising da apresentadora é alto, mas a parte repassada à emissora, nem tanto. As loiras faturam por conta própria, com produtos que levam seus nomes, e cobram salários cada vez mais altos. Conseqüentemente, tornam-se negócios não tão atrativos para os canais.
Diante disso, fica cada vez mais difícil fechar a conta da produção dos programas, já que grandes anunciantes de produtos infantis passaram a dividir a verba com outros meios de comunicação.
Na direção da Record, a avaliação é que, apesar de a massa de audiência não ter migrado para os canais pagos, eles têm "roubado" importantes anunciantes da TV aberta. É a minoria dos baixinhos que assiste à TV paga, mas é justamente a fatia dos filhos de quem mais pode comprar brinquedo.
Além disso, a publicidade começa a demonstrar preocupação com a qualidade dos programas de TV. Assim como tem fugido do jornalismo "mundo cão", tornou-se mais seletiva com a programação infantil. Na semana passada, Orlando Lopes, presidente da Associação Brasileira de Anunciantes, em discurso no MaxiMidia, falou sobre a responsabilidade social de investir em bons infantis. "Abaixo o custo por mil", disse, em referência à expressão publicitária que considera o preço do anúncio em relação à quantidade de telespectador que vê o programa. Segundo ele, mais do que se preocupar com números, quem vende produto infantil deve procurar qualidade na televisão.

Desenhos
Os desenhos animados-mesmo os mais antigos- continuam em alta.
O sucesso de audiência dos exibidos nas manhãs do SBT, que, sem âncora loira ou morena, bate até o ibope de Xuxa, ajudou a Record a concluir que não valia mais a pena bancar o infantil de Eliana.
Para Beth Carmona, presidente da TVE do Rio e da ONG Midiativa, as novas animações são mais estimulantes para as crianças acostumadas a games e internet do que às gracinhas das loiras.
"Se, por um lado, há crítica a desenhos japoneses, por outro sabe-se que eles têm uma linguagem não linear que trabalha muito o raciocínio e a curiosidade das crianças. Utilizam a fragmentação de idéias e exigem que o telespectador faça associações."
Apesar do sucesso fenomenal da nova safra de desenhos, Carmona acredita que ainda haja espaço para a teledramaturgia infantil, vide o sucesso da regravação do "Sítio do Picapau Amarelo", na Globo. "Apesar do ritmo dos videogames, acreditamos na possibilidade de retomar o bom contador de histórias, de lendas", afirma ela, que prepara na TVE o lançamento de "Menino Maluquinho" para 2005, entre outros produtos de teledramaturgia.

De gente grande
Sintoma ou não da falta de criatividade na programação infantil, as atrações mais assistidas por crianças de quatro a 11 anos, de acordo com o Ibope, são dirigidas a adultos, como o "Jornal Nacional", as novelas e os humorísticos da Globo.
Numa lista dos 30 programas mais vistos por essa faixa etária em agosto, fornecida à Folha pelo instituto, apenas três são realmente dirigidos a crianças: "Criança Esperança", da Globo (11º lugar), "Os Flinstones" (21º) e "Festolândia" (29º), do SBT.
Dora Câmara afirma que o resultado está atrelado ao fato de os pais mandarem no controle remoto durante o horário nobre.
(LAURA MATTOS)


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