São Paulo, terça-feira, 26 de setembro de 2006

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Cinema em ruínas

Oliver Stone, diretor de "As Torres Gêmeas", que estréia nesta sexta, opta por roteiro apolítico ao retratar o 11 de Setembro e diz que não agüenta mais ser criticado pelos filmes politizados que fez

Divulgação
Nicolas Cage interpreta o policial John McLoughlin, um dos últimos sobreviventes encontrados no WTC


TETÉ RIBEIRO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM NOVA YORK

Oliver Stone, 60, não é mais o mesmo. Ou, nas palavras do diretor norte-americano, "cheguei ao meu limite". Esqueça o realizador de "Nascido em 4 de Julho" (1989) e "Platoon" (1986), ambos libelos antiguerra do Vietnã, que valeram seus dois Oscars de melhor diretor. Em "As Torres Gêmeas", que estréia nesta sexta no Brasil, Stone quer mostrar uma história "humana", como contou à Folha. Daí ter centrado a trama no resgate de dois policiais da Autoridade Portuária de Nova York que ficaram soterrados nos escombros do World Trade Center e foram dos últimos e dos únicos a serem retirados com vida. Leia a entrevista.  

FOLHA - Por que você optou por fazer um filme tão apolítico?
OLIVER STONE
- Eu estava exausto de ser criticado pelos filmes políticos que fiz. Com "JFK", "Nixon", "Assassinos por Natureza" e "Alexandre", fui insultado de todas as maneiras possíveis. Chegou a um ponto em que mesmo os filmes sem maiores ambições que eu fiz, como "Reviravolta" ou "Um Domingo Qualquer", me fizeram levar porradas da crítica. E não se esqueça do documentário "Comandante". Tem limite para a quantidade de porrada que uma pessoa agüenta. Acho que tinha chegado ao meu.

FOLHA - Por que acha que a crítica é tão severa com você?
STONE
- Tem certeza de que você tem tempo para essa resposta [risos]? Bom, quando fiz "JFK" [1991], a crítica disse que eu tinha inventado uma história que envolvia até os escoteiros na morte do presidente e que os adolescentes sofreriam uma lavagem cerebral ao ver o filme. Isso é um insulto ao meu trabalho, que é muito mais inteligente do que isso, mas essa bobagem foi repetida tantas vezes que acabou virando verdade. E como eu posso lutar contra isso? A direita entende mais de propaganda do que eu, porque foi a versão deles que ficou conhecida. E eu virei o cineasta das teorias da conspiração.

FOLHA - O quanto isso o incomoda?
STONE
- Muito, extremamente. Ainda mais quando temos um país governado por um bando de gente que não foi eleita e que deu um jeito de se enfiar na Casa Branca e inventar uma guerra no Iraque, ignorando as informações da CIA, do Departamento de Estado e da ONU. Como você chama isso, se não uma grande conspiração?

FOLHA - Pelo jeito você não desistiu de seu lado polemista...
STONE
- Não. Mas sou um cineasta, não um cineasta político. Faço filmes sobre pessoas, sempre sobre pessoas. As situações em que elas se encontram mudam, mas elas estão sempre no centro das minhas histórias. Entre um projeto e outro, talvez eu fale demais. Mas eu digo o que penso, e isso ninguém vai conseguir mudar. A censura que se instalou sobre esse país desde 11 de setembro de 2001 é uma coisa nojenta, horrorosa.

FOLHA - Isso tem alguma coisa a ver com o fato de seu filme ser tão apolítico?
STONE
- Não. Eu não tinha nenhum outro roteiro que me fizesse querer falar sobre o 11 de Setembro. E é muito mais difícil ir a fundo em uma história confusa como essa. O último filme que foi realmente a fundo em um assunto ligado a esse foi "Syriana". Mas ainda tem muita coisa a ser explicada, divulgada, não sabemos quase nada sobre o que esse dia significou.

FOLHA - Sua intenção com o filme é começar um processo de cura?
STONE
- Pessoalmente, a intenção era contar essa história de uma forma emocionalmente e tecnicamente correta. Todos os sobreviventes -e as famílias dos que sobreviveram ou não- estavam envolvidas, e eu não podia decepcioná-los. Ao mesmo tempo, tinha de fazer uma dramatização do que aconteceu em 24 horas em duas horas. A intenção desse filme não tinha nada de política, era simplesmente ser fiel ao que aconteceu com aquelas pessoas.

FOLHA - Você foi muito criticado pela família de uma vítima retratada no filme.
STONE
- Uma das viúvas critica a iniciativa, e eu acho que ela tem o direito de fazer isso, assim como os outros tinham de vender suas histórias. O marido dela, Dominick Pezzulo, é retratado pelo ator Jay Hernandez, mas ele infelizmente não sobreviveu. Ele foi impecável, falou todas aquelas frases que estão no filme, por mais piegas que elas soem. Não entendo qual seja o problema. Mostrei a cabeça de Kennedy sendo explodida em "JFK". Tenho certeza de que ofendeu a mulher dele, Jackie, que ainda estava viva, assim como os filhos, mas mostrei porque acredito que estava fazendo a coisa certa. E nesse filme é a mesma coisa, estou tentando provocar uma reação positiva.

FOLHA - Como você vê os acontecimentos no mundo pós-11/9?
STONE
- Ficou muito pior, não tenho a menor dúvida. Mais guerras, mais medo, mais mortes e, o que mais me irrita, o fracasso da Constituição americana. É um câncer que se espalhou pelo mundo, uma hora alguém tinha de voltar ao que aconteceu naquele dia. É como uma mulher que é estuprada e passa o resto da vida com medo de se envolver com outra pessoa. Uma hora ela tem de parar com a paranóia e procurar um psiquiatra. O grande desafio da nossa vida é combater o medo, você tem de superar o medo e dar o próximo passo.

FOLHA - Você acredita que esse filme vai melhorar o mundo?
STONE
- Não sei. Fiz três filmes antiguerra sobre o Vietnã achando que ia mostrar os horrores da guerra e prevenir que outras acontecessem, e mesmo assim nós invadimos o Iraque. Os filmes são como flores frágeis que a gente lança ao vento, algumas pessoas param e sentem seu perfume, outras não.


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