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Cinema em ruínas
Oliver Stone, diretor de "As Torres Gêmeas", que estréia nesta sexta, opta por roteiro apolítico ao retratar o 11 de Setembro e diz que não agüenta mais ser criticado pelos filmes politizados que fez
Divulgação
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Nicolas Cage interpreta o policial John McLoughlin, um dos últimos sobreviventes encontrados no WTC |
TETÉ RIBEIRO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM NOVA
YORK
Oliver Stone, 60, não é mais o
mesmo. Ou, nas palavras do diretor norte-americano, "cheguei ao meu limite". Esqueça o
realizador de "Nascido em 4 de
Julho" (1989) e "Platoon"
(1986), ambos libelos antiguerra do Vietnã, que valeram seus
dois Oscars de melhor diretor.
Em "As Torres Gêmeas", que
estréia nesta sexta no Brasil,
Stone quer mostrar uma história "humana", como contou à
Folha. Daí ter centrado a trama
no resgate de dois policiais da
Autoridade Portuária de Nova
York que ficaram soterrados
nos escombros do World Trade
Center e foram dos últimos e
dos únicos a serem retirados
com vida. Leia a entrevista.
FOLHA - Por que você optou por fazer um filme tão apolítico?
OLIVER STONE - Eu estava exausto de ser criticado pelos filmes
políticos que fiz. Com "JFK",
"Nixon", "Assassinos por Natureza" e "Alexandre", fui insultado de todas as maneiras possíveis. Chegou a um ponto em
que mesmo os filmes sem
maiores ambições que eu fiz,
como "Reviravolta" ou "Um
Domingo Qualquer", me fizeram levar porradas da crítica. E
não se esqueça do documentário "Comandante". Tem limite
para a quantidade de porrada
que uma pessoa agüenta. Acho
que tinha chegado ao meu.
FOLHA - Por que acha que a crítica é
tão severa com você?
STONE - Tem certeza de que você tem tempo para essa resposta [risos]? Bom, quando fiz
"JFK" [1991], a crítica disse que
eu tinha inventado uma história que envolvia até os escoteiros na morte do presidente e
que os adolescentes sofreriam
uma lavagem cerebral ao ver o
filme. Isso é um insulto ao meu
trabalho, que é muito mais inteligente do que isso, mas essa
bobagem foi repetida tantas vezes que acabou virando verdade. E como eu posso lutar contra isso? A direita entende mais
de propaganda do que eu, porque foi a versão deles que ficou
conhecida. E eu virei o cineasta
das teorias da conspiração.
FOLHA - O quanto isso o incomoda?
STONE - Muito, extremamente.
Ainda mais quando temos um
país governado por um bando
de gente que não foi eleita e que
deu um jeito de se enfiar na Casa Branca e inventar uma guerra no Iraque, ignorando as informações da CIA, do Departamento de Estado e da ONU. Como você chama isso, se não
uma grande conspiração?
FOLHA - Pelo jeito você não desistiu de seu lado polemista...
STONE - Não. Mas sou um cineasta, não um cineasta político. Faço filmes sobre pessoas,
sempre sobre pessoas. As situações em que elas se encontram
mudam, mas elas estão sempre
no centro das minhas histórias.
Entre um projeto e outro, talvez eu fale demais. Mas eu digo
o que penso, e isso ninguém vai
conseguir mudar. A censura
que se instalou sobre esse país
desde 11 de setembro de 2001 é
uma coisa nojenta, horrorosa.
FOLHA - Isso tem alguma coisa a
ver com o fato de seu filme ser tão
apolítico?
STONE - Não. Eu não tinha nenhum outro roteiro que me fizesse querer falar sobre o 11 de
Setembro. E é muito mais difícil ir a fundo em uma história
confusa como essa. O último
filme que foi realmente a fundo
em um assunto ligado a esse foi
"Syriana". Mas ainda tem muita coisa a ser explicada, divulgada, não sabemos quase nada sobre o que esse dia significou.
FOLHA - Sua intenção com o filme é
começar um processo de cura?
STONE - Pessoalmente, a intenção era contar essa história de
uma forma emocionalmente e
tecnicamente correta. Todos os
sobreviventes -e as famílias
dos que sobreviveram ou não-
estavam envolvidas, e eu não
podia decepcioná-los. Ao mesmo tempo, tinha de fazer uma
dramatização do que aconteceu em 24 horas em duas horas.
A intenção desse filme não tinha nada de política, era simplesmente ser fiel ao que aconteceu com aquelas pessoas.
FOLHA - Você foi muito criticado
pela família de uma vítima retratada no filme.
STONE - Uma das viúvas critica
a iniciativa, e eu acho que ela
tem o direito de fazer isso, assim como os outros tinham de
vender suas histórias. O marido
dela, Dominick Pezzulo, é retratado pelo ator Jay Hernandez, mas ele infelizmente não
sobreviveu. Ele foi impecável,
falou todas aquelas frases que
estão no filme, por mais piegas
que elas soem. Não entendo
qual seja o problema. Mostrei a
cabeça de Kennedy sendo explodida em "JFK". Tenho certeza de que ofendeu a mulher
dele, Jackie, que ainda estava
viva, assim como os filhos, mas
mostrei porque acredito que
estava fazendo a coisa certa. E
nesse filme é a mesma coisa, estou tentando provocar uma
reação positiva.
FOLHA - Como você vê os acontecimentos no mundo pós-11/9?
STONE - Ficou muito pior, não
tenho a menor dúvida. Mais
guerras, mais medo, mais mortes e, o que mais me irrita, o fracasso da Constituição americana. É um câncer que se espalhou pelo mundo, uma hora alguém tinha de voltar ao que
aconteceu naquele dia. É como
uma mulher que é estuprada e
passa o resto da vida com medo
de se envolver com outra pessoa. Uma hora ela tem de parar
com a paranóia e procurar um
psiquiatra. O grande desafio da
nossa vida é combater o medo,
você tem de superar o medo e
dar o próximo passo.
FOLHA - Você acredita que esse filme vai melhorar o mundo?
STONE - Não sei. Fiz três filmes
antiguerra sobre o Vietnã
achando que ia mostrar os horrores da guerra e prevenir que
outras acontecessem, e mesmo
assim nós invadimos o Iraque.
Os filmes são como flores frágeis que a gente lança ao vento,
algumas pessoas param e sentem seu perfume, outras não.
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