São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2010 |
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Mônica Bergamo bergamo@folhasp.com.br A mulher de 40
Em seu "auge feminino", a atriz Alessandra Negrini filma no Rio longa de Karim Aïnouz e diz que é "caretice da porra e machismo" achar que uma pessoa de 40 anos já é velha
"Nossa, isso aqui é a coisa mais feia", diz a atriz Alessandra Negrini sobre o curativo de mentira que a maquiadora coloca em sua testa. "Mas bota um pouquinho
de rímel e um batonzinho,
né? A mulher já tá ferrada."
A "mulher" é Violeta,
sua personagem no longa de
Karim Aïnouz inspirado na
canção "Olho nos Olhos", de
Chico Buarque. No filme, ainda sem título, Violeta é abandonada pelo marido e, segundo a atriz, "vai perdendo
os limites do corpo, se ferrando inteira". "O bom é que no
cinema o comprometimento
é com a verdade e não com a
beleza", diz a atriz à repórter
Lígia Mesquita.
É domingo à noite em
Copacabana, no Rio, onde o
filme é rodado. O ponto de
encontro da equipe é uma
farmácia na esquina da avenida Nossa Senhora de Copacabana com a rua Paula Freitas. Um pequeno caminhão é
improvisado como camarim.
É lá que Alessandra Negrini
está, ainda de jeans, camiseta preta e sandália de salto
anabela. No colo, o roteiro
com suas falas e um iPod.
Alessandra diz que nunca foi abandonada. "Uma situação igual à dela eu, graças
a Deus, nunca vivi. Mas esse
peito ardendo eu sei o que é.
Todo mundo sabe o que é a
falta [de alguém]", diz. Ela já
foi casada com o ator Murilo
Benício, pai de Antônio, de
14 anos, e com o cantor Otto,
pai de Betina, sete anos. Hoje
namora o ator Sérgio Guizé.
"Aqui tem um fiozinho
levantado", aponta um fio de
cabelo para a cabeleireira,
depois de fazer, ela mesma, o
coque de Violeta. "Esse coque não pode ser assim, senão ele fica fashion", diz a
cabeleireira. "Mas esse fio
não precisa ficar aqui", reclama a atriz. Alguns minutos
depois, chega o diretor de arte. "Querida, por favor, podemos prender seu cabelo?"
"Não vou mais tocar nele, podem arrumar. Mas tava muito feio", finaliza Alessandra.
A atriz vai até a porta do
caminhão-camarim. Chove.
Karim entra no camarim para
explicar a primeira cena do
dia, que será em outra esquina, não muito longe dali.
"Não se esqueça de sentir
dor, já que ela está machucada", pede o diretor.
Com 40 anos recém-completados no dia 29 de
agosto, no set, achou "legal
ter passado a data trabalhando, sem ter precisado pensar
em festa". "É bom fazer 40. É
um recomeço, você dá uma
zerada, fala: "quero fazer isso, quero fazer aquilo'", diz.
"Na verdade, aos 40, você começa a se sentir mais poderosa pra fazer algumas coisas,
se sente mais forte pra se
aventurar. Algumas coisas
cansaram, já encheram o saco. Quero alçar novos voos,
escrever, voltar a morar em
São Paulo, perto da família."
Já com saia preta, legging cinza, blusa rosinha e
bota de salto, roupas da personagem, Alessandra entra
em um Corolla preto para ir à
esquina da rua Djalma Ulrich, onde acontecerá a filmagem. "É muito longe?",
pergunta ao motorista, enquanto abre o vidro e observa
o bairro, com o roteiro no colo. "Moro no Leblon, mas tô
começando a olhar mais pra
Copacabana. Tenho alguma
coisa com Copacabana. Fiz a
novela ["Paraíso Tropical"]
aqui, a minissérie "As Cariocas" [fez o episódio "A Iludida
de Copacabana", ainda inédito] e, agora, o filme."
Ela diz que "é uma caretice da porra, machismo"
quem acredita que uma atriz
possa perder trabalhos com a
idade avançando. "Esta é a
minha melhor fase. Tô no
meu auge feminino. Acho todo o resto uma puta enganação, senso comum, consumismo. Se eu fosse pensar assim, não seria artista. Você
acreditar que uma mulher de
40 possa ser velha é bizarro."
"Nossa, que longe,
hein?", reclama, bocejando.
"O ritmo tá corrido. Temos
filmado todos os dias das 18h
às 6h da manhã. Me lembra
um pouco o ritmo da novela
["Paraíso Tropical", de Gilberto Braga, em que fez gêmeas, em 2007]. A diferença
é que aquilo foi um ano inteiro e aqui será só um mês." Ela
desce do carro. E reclama:
"Por que paramos tão longe?". Anda menos de uma
quadra até o set.
Voltar às novelas ainda
não é certo. "Primeiro preciso ser convidada", diz. "Tô
há dois anos e meio longe da
televisão. Foi bom porque fiz
cinema, teatro. Mas adoro
TV." Alessandra foi convidada para participar de "Passione", atual novela das oito
da Globo, de Silvio de Abreu,
e recusou. "Não achei que [o
papel] era pra mim. Eles [diretores da Globo] também
não acharam adequado."
Alessandra, agora Violeta, precisa andar perto dos
carros na avenida e atravessar o cruzamento na faixa de
pedestres para mais uma cena do filme. Ela vai e vem várias vezes. Do outro lado da
rua, algumas pessoas assistem ao movimento. "É novela, né? Ah, é filme? E não tem
nome ainda? Posso sugerir?
"Uma Mulher Perambulando
na Nossa Senhora de Copacabana'", diz uma jovem.
"Não é Flávia Alessandra [a
atriz]! É a Alessandra Negrini", uma amiga diz à outra.
"Ela é metida, passou aqui já
várias vezes e nem deu oi",
comenta outra.
Uma hora depois, uma
viatura passa ao lado de Violeta. A luz da sirene entra no
quadro. "Sublime!", diz Karim. "Corta!" Alessandra troca a bota de salto alto por um
chinelo. Os fãs se aproximam, e ela, agora, atende a
todos. "Cinco minutinhos
pra foto, vamos lá pessoal",
diz, abraçando as pessoas.
"O assédio do público não
me incomoda. O que incomoda é o assédio da imprensa,
essa apropriação."
Às 21h40, a equipe faz
um intervalo para o jantar em
um restaurante por quilo. A
atriz come legumes, salpicão
de frango, picanha, arroz e
farofa. Se senta à mesa com
Karim e o ator Milton Gonçalves, com quem dividirá a próxima cena. "Sou médio vaidosa. Estou feliz como sou.
Tento manter o corpo, malho. Mas como doce, bebo.
Vivo com prazer. Não gosto
dessa coisa de geração saúde, essas paranoias. Gosto de
ser livre. Essa ditadura de alimentação saudável, ah, que
encheção de saco."
Posar nua novamente
não está em seus planos.
"Volta e meia me chamam.
Fiz uma "Playboy" [em 2000]
da qual me orgulho muito,
mas hoje não faz mais sentido", diz a atriz, que ficou
marcada como a personagem Engraçadinha na minissérie inspirada na obra do
dramaturgo Nelson Rodrigues. "Não sei ver se sou sensual. Acho que sensualidade
faz parte da vida. É você estar
vivo, respirando, provocando, sentindo o mundo."
Às 23h30, ela se arruma
novamente no caminhão-camarim para a próxima cena,
dentro de uma farmácia.
"Normalmente dou uma dormidinha após o jantar. A produção arrumou um colchão
pra mim. Mas hoje tenho que
discutir a cena com o Karim e
o Milton Gonçalves."
Ela conta que tem planos de voltar à sala de aula.
Alessandra abandonou a faculdade de ciências sociais
na USP para virar atriz. "Quero estudar cinema, filosofia.
E quero produzir uma peça.
Você só faz o que quer quando produz." Em outubro, ela
estreia em SP a peça "A Senhora de Dubuque", com direção de Leonardo Medeiros.
Alessandra entra na farmácia e ensaia as cenas que
serão gravadas de madrugada. A atriz tem cinco filmes,
sete novelas e três minisséries no currículo. "Fazer cinema de autor, de experimentação, é um sonho. Me sinto
sempre começando", diz ela,
antes de pedir licença para se
concentrar no texto.
"Nunca fui
abandonada.
Mas esse
PEITO ARDENDO
eu sei o que é.
Todo mundo
sabe o que
é a FALTA
de alguém" |
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