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São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2003

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27ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SP

Realizador japonês Yoshishige Yoshida conversa com o colega brasileiro Carlos Reichenbach

Mestre Yoshida

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

O cineasta brasileiro Carlos Reichenbach, 58 ("Anjos do Arrabalde"), é um admirador do cinema japonês. Yoshishige Yoshida, 70, um de seus expoentes.
A convite da Folha, os dois conversaram em São Paulo, na última quarta, sobre a obra do segundo.
Yoshida é convidado da 27ª Mostra BR de Cinema, em que integra o júri oficial, apresenta seu mais recente filme, "Mulheres no Espelho", e lança o livro "O Anticinema de Yasujiro Ozu", que autografa às 19h de hoje, no Clube da Mostra, no Conjunto Nacional.
A Reichenbach, Yoshida contou que fez "Mulheres no Espelho" como um testemunho do século 20 ao 21. "Vivi a guerra. Queria contar às pessoas do século 21 o que foi isso." A seguir, outros trechos da conversa dos cineastas.

CARLOS REICHENBACH - "Sei que viveu na França e estudou filosofia. Queria saber a que ramo da filosofia se dedicou e se há em seus filmes o vínculo com o existencialismo que aparentam ter".

YOSHISHIGE YOSHIDA - "Quando fui para a França, em 1964, havia dirigido seis filmes. Estudei literatura francesa. Quando li a obra de Jean-Paul Sartre (1905-1980), tive a impressão de que minha experiência se encaixou no pensamento dele. Vivi a guerra aos 12 anos. A consciência da morte me acompanha desde então".

REICHENBACH - "O suicídio é um tema presente desde seus primeiros filmes. "Sede de Sangue" (1960) foi um que me impressionou muito. Parece-me que o suicídio do protagonista é um ato de revolta. Você, como eu, enxerga esse viés niilista em sua obra?".

YOSHIDA - "Lembre-se que, no Japão, não há uma religião como o catolicismo, que considera o suicídio um pecado. É mais natural pensar que, quando você chega a um limite intransponível, a solução é a morte. Nos Estados Unidos e na Europa, as pessoas tinham a chance de tentar ir embora. No Japão, uma ilha de estrutura feudal, a solução era o suicídio. Tratei disso nos meus filmes porque é a realidade, mas não considero o suicídio uma coisa bela".

REICHENBACH - "Vejo duas fases em sua carreira. A primeira é a dos filmes mais politizados. A segunda, a dos filmes femininos. Concorda com essa distinção?".

YOSHIDA - "Concordo que atravessei fases diferentes em 40 anos de carreira. Nos primeiros anos, meus filmes tratavam da sociedade, do país. Depois, passei a tratar do tema da mulher, porque queria fazer a crítica da sociedade machista. O filme que melhor representa essa fase é "A História Escrita com Água" (1965). Nele, o tema do incesto surge não para causar escândalo, mas como representação da estrutura paternalista da sociedade, cuja figura máxima é o imperador. Quando uma mulher confronta seu pai, é como se confrontasse a figura mais poderosa, a do imperador".

REICHENBACH - "Sempre me pareceu mesmo ser sua intenção lidar com temas-tabu, mas sem buscar o escândalo. Para mim, "Labareda" (67), sobre inseminação artificial, é o filme que condensa sua assinatura -tema-tabu tratado com olhar de filósofo".

YOSHIDA - "Quis tratar da inseminação artificial porque ela representa a marginalização do pai. Numa relação que se dá só entre mãe e filho, o pai está excluído".

REICHENBACH - "Quando você começou, era o mais jovem cineasta no Japão. Como a produtora Shochiku confiou em você?".

YOSHIDA - "Em 1958, houve o boom da TV no Japão, e o público de cinema despencou. Seis grandes empresas cinematográficas entraram em crise e começaram a apostar em talentos jovens. [Yasujiro] Ozu [1903-1963] teve dificuldades para filmar. [Akira] Kurosawa [1910-1998] demorava até um ano para fazer um filme".


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