São Paulo, Sexta-feira, 26 de Novembro de 1999


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Os donos do (4º) poder

Eugenio Novaes/Folha Imagem - 21.dez.91
O ex-presidente Fernando Collor cercado por jornalistas e cinegrafistas em 91



Chega às livrarias "Notícias do Planalto - A Imprensa e Fernando Collor", de Mario Sergio Conti, relato de 719 páginas, com 1.200 personagens, sobre as relações nem sempre transparentes entre jornalistas e governantes durante o fenômeno Collor


FERNANDO DE BARROS E SILVA
da Reportagem Local


"Notícias do Planalto - A Imprensa e Fernando Collor", do jornalista e ex-diretor de redação da revista "Veja" Mario Sergio Conti, é um livro que pode suscitar no leitor a vontade de pedir o impeachment de setores do jornalismo brasileiro. Anuncia que é uma história das relações da mídia e dos jornalistas com o fenômeno Fernando Collor, da ascensão e da campanha à Presidência, em 89, à execração pública e ao impeachment, em 92.
Mas esse é apenas o pretexto de 719 páginas de histórias sobre como se fizeram jornais, revistas e TVs nos últimos 30 anos, às vezes mais; sobre encontros e negócios entre gente renomada de imprensa e parte expressiva da elite política e empresarial do país -são 1.200 os seus personagens.
Nos perfis de jornalistas e empresas jornalísticas, há relatos de profissionalismo e honestidade, mas também de fraude e manipulação corrupta. Há, claro, uma descrição rica dos anos Collor, da família Collor, de sua história e ligações. O livro de Conti é, porém, fundamentalmente uma vasta reportagem sobre o funcionamento do poder no Brasil. Não teoriza, não explicita juízos, é econômico nos adjetivos, narra, apenas.
Há no livro diálogos detalhados de pressões vulgares de governantes sobre jornalistas ou de participação direta destes em peças publicitárias de campanha eleitoral; panoramas, histórias nada edificantes ou francamente criminosas de como se fizeram e se mantiveram jornais e proprietários da mídia, mas também políticos, traficantes de influência e burocratas (leia trechos abaixo).
"Notícias do Planalto" é um dos raros livros brasileiros a mostrar, dando nomes, como funcionam o jornalismo, redações e empresas editoriais. Conti viu muito do que conta, entrevistou 141 pessoas, recortou o que de útil e factual há de publicado sobre o assunto. Narra escândalos e relações promíscuas como quem observasse com naturalidade a passagem de rinocerontes por uma sala de estar.
Por vezes, as feras são seus próprios colegas de trabalho ou subordinados; outras, ele mesmo é o rinoceronte, e a naturalidade tem um pouco de autocomplacência, embora tal característica seja uma segunda natureza ou vício profissional de jornalistas.

Fofocas e ódios
Que o livro de Conti é destinado a um muito provável sucesso de escândalos já pôde ser medido pela excitação algo mórbida que causou em colegas e políticos antes mesmo de ser lido. O livro chegou às livrarias anteontem, mas já circulava pelas redações desde segunda-feira. Jornalistas gostam de fofocas, sobre seus pares em particular. Nisso não diferem de políticos ou de intelectuais. E o ex-diretor da "Veja" lhes serviu o prato dileto: histórias, e ótimas histórias, histórias terríveis.
Já provocou ansiedade, ódios antecipados, pequenas e grandes decepções. As reações colhidas pela Folha com alguns dos principais personagens vão do sintomático "não li, não gostei" à acolhida triunfal ("é sensacional"). "O livro é mais pretensioso, não é uma sucessão de escândalos; os podres, que são significativos, estão dimensionados", diz Conti.
Collor recebeu o livro do autor anteontem. Disse que deu apenas uma espiada. "Parece um relato importante de um período instigante da política nacional", disse, por intermédio de um assessor. Dificilmente manterá a mesma opinião depois de ver esmiuçados sua biografia e seu governo.
Mas é na empresa em que trabalha, a editora Abril, na qual está desde o início de 98 em licença remunerada para escrever o livro, que Conti provocou a reação mais irada. José Roberto Guzzo, atual diretor da revista "Exame", sentiu-se pessoalmente atingido por um trecho em que o autor dá a entender que "Veja" publicou, mediante pagamento, duas reportagens favoráveis a Iris Rezende (ex-ministro da Justiça de FHC) quando este era candidato ao governo de Goiás, em 90, e pré-candidato do PMDB à Presidência, em 89. Guzzo era diretor de redação da "Veja" naquela época.
Segundo Conti, o jornalista Mário Alberto de Almeida, hoje diretor de Redação da "Gazeta Mercantil", teria oferecido a Augusto Nunes, então diretor de Redação de "O Estado de S. Paulo", US$ 250 mil para fazer uma reportagem sobre Rezende. O título, "obrigatório", seria "O ministro das boas notícias" (Rezende era ministro da Agricultura de Sarney). Nunes, hoje dirigindo a revista "Época", confirma a tentativa de suborno, que Almeida nega. A formulação que deveria constar no título apareceu, com leves alterações sintáticas, em duas reportagens de "Veja" sobre Rezende, em fevereiro de 89 e agosto de 90.
A Folha apurou que Guzzo teria ido se queixar nesta semana ao presidente do grupo Abril, Roberto Civita. Mas nenhum dos personagens fala sobre o assunto.
O tema em questão ocupa apenas duas páginas do livro (da 375 à 377). Há nele muitas outras histórias pormenorizadas, da edição do debate entre Lula e Collor feita pelo "Jornal Nacional", em 89, passando pelos bastidores da invasão da Folha pela Polícia Federal, no início do governo, em 90, até casos de corrupção no governo Fleury, em São Paulo. O livro tem esse efeito, de ressuscitar cadáveres na memória do leitor.
Fumante contumaz, o ex-diretor da "Veja" estava visivelmente eufórico e ansioso quando falou à Folha sobre o livro, na quarta-feira. Mas não demonstrava nenhum traço que lhe deu entre colegas a fama de ser um chefe de redação particularmente taciturno e tirânico. "Estou pela primeira vez do outro lado do balcão."
Conti comandou a revista de 91 a 97. Diz estar agora em negociações com Civita para dirigir uma nova publicação da Abril, "uma revista mensal com reportagens", para o ano que vem. Aos 45 anos, está desde 83 na "Veja", depois de ter editado por um ano o extinto "Folhetim", da Folha, onde iniciou sua carreira, em 77.
No epílogo do livro, o autor narra uma conversa que teve com PC Farias quando este conquistou a liberdade condicional. "Farias gargalhou quando pedi que comentasse uma frase de Samuel Wainer, o criador da "Última Hora", no livro de memórias que escreveu: "Não é possível escrever a história da imprensa brasileira sem dedicar um vasto capítulo aos empreiteiros". PC disse: "Não dá para escrever a história da política brasileira sem que as grandes empreiteiras apareçam em cada página, e sem dedicar um monte de capítulos aos banqueiros". Farias contou também que, em 1990, deu 180 mil dólares ao diretor de um órgão de imprensa para que ele amenizasse as críticas a Collor no início do governo". Conti diz que PC não quis lhe revelar a identidade do personagem. Mas revelações não faltam neste que é um marco e uma pedra no jornalismo nacional.


Livro: Notícias do Planalto - a Imprensa e Fernando Collor Autor: Mario Sergio Conti Lançamento: Cia. das Letras; R$ 35


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