São Paulo, terça-feira, 26 de novembro de 2002

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Adeus ao sagrado

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
"Apocalipse 1,11", do diretor Antônio Araújo do Teatro da Vertigem, que reestréia, no presídio do Hipódromo (SP)



Grupo Teatro da Vertigem encerra ciclo temático com remontagem de trilogia bíblica, a partir de amanhã em São Paulo


VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Não há mais vaga no céu, no purgatório ou no inferno para o Teatro da Vertigem. A remontagem da trilogia bíblica, a partir desta semana, encerra o ciclo dos primeiros dez anos em que o grupo paulista empenhou-se na discussão do sagrado, um marco na cena brasileira dos anos 90.
Segundo o diretor Antônio Araújo, a temática foi "amarrada" pelos espetáculos "Apocalipse 1,11" (99), que reestréia amanhã no presídio desativado do Hipódromo; "O Livro de Jó" (95), a partir de sexta no também desativado hospital Umberto Primo; e "O Paraíso Perdido" (92), com temporada prevista para janeiro ou fevereiro, em igreja a definir.
Araújo, 36, explica que não há perspectiva para um "O Livro de Ruth", por exemplo, outra personagem da Bíblia. Tampouco está definido o novo caminho. "Podemos até fazer um "Prometeu", uma tragédia grega, mas ainda não sabemos."
As pesquisas para o quarto espetáculo da companhia começam para valer após a curta temporada de "O Paraíso Perdido", com dramaturgia de Sérgio de Carvalho (hoje Cia. do Latão).
A polêmica peça sobre o Anjo Caído, que lançou o Vertigem em 5 de novembro de 92, foi encenada na igreja Santa Ifigênia, no bairro de Santa Cecília, sob apoio de setores católicos progressistas e protesto de conservadores.
Se a abordagem do sagrado se esgotou, o mesmo não se pode dizer da apropriação de espaços não convencionais. Araújo afirma que sobra fôlego para a "ressignificação" de locais públicos e relação desses com a cidade.
A premissa da liberdade em levar a arte do teatro a edifícios sem arquitetura cênica própria não pode configurar aprisionamento?
"Nosso trabalho costuma ser reduzido a esse elemento, mas a questão espacial é apenas uma das que nos mobilizam. Há ainda a investigação interpretativa, a dramaturgia, enfim, todo o processo colaborativo", diz Araújo.
O diretor espera que a oportunidade inédita de acompanhar a trilogia quase simultaneamente contribua para outras leituras do conjunto da obra do grupo.
"Apocalipse 1,11" narra a busca de João por uma Nova Jerusalém profanada. A peça, com dramaturgia de Fernando Bonassi, a partir do depoimento dos atores, alude ao massacre de 111 presos do Carandiru pela PM (92).
João é um brasileiro em busca de uma vida melhor, de Deus. "Sua fé vai se transmutando por meio de respostas interiores, não advém mais de um deus externo", diz Vanderlei Bernardino, 36, único ator remanescente dos jovens universitários que deram origem ao Teatro da Vertigem.
"O Livro de Jó", texto de Luís Alberto de Abreu, tece as provações do seu protagonista. Homem justo, correto, temente a Deus, Jó fica à mercê do joguete de Deus e Satanás. Acometido por uma peste (metáfora para a Aids), ele perde a mulher, abandona sua casa e vaga pelo deserto.
O papel que projetou Matheus Nachtergaele agora é interpretado por Roberto Audio, que também desempenha os contrastantes Jesus e Besta em "Apocalipse 1,11".
Nachtergaele, Mariana Lima (a Babilônia da terceira peça, substituída por Mika Winiaver) e outros atores dos elencos originais devem fazer participações especiais em algumas sessões.
Os 15 integrantes do núcleo do Teatro da Vertigem, entre elenco e criadores de luz (Guilherme Bonfanti), cenografia (Marcos Pedroso), figurinos (Fábio Namatame) e música (Laércio Resende), vão selar o adeus ao sagrado atravessando Natal, Ano Novo e, quem sabe, Carnaval.
Uma trilogia de dor e catarse. O horror e a contrapartida da crença na tragédia contemporânea.

APOCALIPSE 1,11 - Com: Teatro da Vertigem (Joelson Medeiros, Luciana Schwinden, Luis Miranda, Miriam Rinaldi, Sergio Siviero e outros). Onde: presídio desativado do Hipódromo (r. do Hipódromo, 600, Brás, São Paulo, tel. 0/ xx/11/283-1027 e 9114-3410). Quando: reestréia amanhã, às 21h; ter. a qui., às 21h. Quanto: entrada franca. 60 pessoas (reservas por telefone). Para maiores de 18 anos. Até 19/12.

O LIVRO DE JÓ - Com: Teatro da Vertigem. Onde: hospital desativado Umberto Primo (al. Rio Claro, 190, São Paulo, tel. 0/ xx/11/283-1027 ou 9114-3410). Quando: reestréia dia 29/11, sex., às 21h; sex. e sáb., às 21h; dom., às 20h. Quanto: R$ 25 e R$ 30 (sáb.). 60 pessoas (reservas por telefone). Até 22/12 (volta 9/1). Patrocinadores: BrasilTelecom e Prefeitura de São Paulo.



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