São Paulo, sexta-feira, 26 de novembro de 2004

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"DANÇA COMIGO?"

Adaptação vira vitrine para valores familiares

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Em "Dança Comigo?", a dança é uma questão de fuga. Richard Gere, advogado entediado, irá penetrar numa espécie de país das maravilhas, oculto entre as plataformas do metrô de Chicago. Lá funciona uma escola de dança, na qual se matriculará.
Só que a dança deixará de ser fuga, para ser também uma questão de aprendizado. De doutrinação. Se Gere aprende a dançar uma rumba com correção e estilo necessários, aprende também que J.Lo, a instrutora gostosa, é um ser intocável. Uma entidade sexual, sim, já que voz e pele parecem pulsar. Mas que, com austeridade e pureza de contornos infantis, desconsidera o fato de seu discípulo ser Gere, enjoado da mulher.
Sabe-se que essa mulher, dedicada, vê o casamento com olhar bíblico: as pessoas se casam pois precisam de testemunhas para suas obras, isto é, suas vidas.
Não demora para que percebamos que a doutrinação que se dá na escola não diz respeito apenas a questões como movimento e coreografia. Gere esteve recebendo, na verdade, uma lição sobre a importância da manutenção do matrimônio. É até proposto: dançar pode ser não só dançar. Pode ser conviver no mesmo passo de outra pessoa. Dançar é o casamento.
Assim, "Dança Comigo?" não é tão diferente de "A Dona da História". Ambos resultam em reflexões esterilizantes, que se sustentam, cada filme à sua moda, em estéticas da esterilização. A começar, no caso de "Dança Comigo?", pela adaptação do original japonês de 97 a um novo sistema industrial de imagens americano.
Um sistema que tende a uma tonalidade artificial -glamourosa- diferente da melancolia dos opacos e "reais" ambientes de dança japoneses. Afinal, a harmonia do casamento perpetuado e "doutrinado" pelos códigos do "cinema de família" dos EUA imita a expressão dos aparatos cenográfico e de iluminação em "Dança Comigo?": tão plástica quanto artificial, tão vivaz quanto mentirosa (mágica). Magia não é problema. É que, aqui, ela é meio sufocada se o filme é muito mais uma vitrine de valores do que das "seqüelas" de uma tradição americana de ilusão em música e dança. (CLAUDIO SZYNKIER)


Dança Comigo?
Shall We Dance?
 
Direção: Peter Chelsom
Produção: EUA, 2004
Com: Richard Gere, Jennifer Lopez, Susan Sarandon
Quando: a partir de hoje nos cines Anália Franco, Bristol, Eldorado, Lar Center e circuito



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