São Paulo, sexta-feira, 26 de novembro de 2004

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ILUSTRADA

"Senhora do Destino" (Globo) mostra lésbicas acordando juntas na cama, seminuas; militantes falam em "avanço"

Gays ficam felizes e frustrados com novela

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

As cenas envolvendo duas lésbicas veiculadas ontem pela novela "Senhora do Destino" (Globo) deixou militantes gays felizes com o "avanço" na abordagem do tema e frustrados com o fato de as imagens não terem exibido nem um beijo e de a TV evitar mostrar casais homossexuais masculinos.
No capítulo de ontem, a médica Eleonora (Mylla Christie) e a estudante Jenifer (Bárbara Borges) foram mostradas seminuas na cama, numa insinuação de que tiveram a primeira relação sexual.
Antes, haviam dito que sentem "muita falta" uma da outra e que vão "descobrir juntas" o que estão sentindo. Com partes do corpo cobertas por lençol, Eleonora disse a Jenifer que ela "é ainda mais bonita quando acorda". "Você está arrependida de ter passado a noite aqui?" A estudante respondeu estar "assustada".
A novela é de autoria de Aguinaldo Silva, homossexual assumido e um dos fundadores, na década de 70, de "O Lampião", primeiro tablóide militante gay do país.
A trama mostrou a aproximação das duas, que já deram beijo "selinho" para se cumprimentar, e o sofrimento com o distanciamento imposto por Jenifer, que não assumira a opção sexual.
Ontem, ela admitiu seus sentimentos pela amiga, incentivada pelo próprio pai, o ex-bicheiro Giovani (José Wilker). "Houve muita sensibilidade, principalmente no fato de o pai de uma e a mãe da outra terem incentivado o encontro. Isso mostra a quem está em fase de descoberta da homossexualidade que nem sempre a reação da família é um bicho de sete cabeças", diz Vange Leonel, cantora, compositora, escritora e militante homossexual.
Ela se reuniu com um grupo de dez amigos e amigas para acompanhar a novela ontem. "Nossa reação foi ambígua. Ficamos muito contentes com o avanço na abordagem do tema, mas ainda frustrados pelo fato de ter de ser tão sutil, de não poder haver beijo para que não haja rejeição. Mas é natural, já que a novela é um programa que reúne a família."
Laura Finocchiaro, cantora, compositora e militante homossexual, comemora o fato de a Globo, em horário nobre, ter aberto espaço à questão. "Isso tem mais impacto do que qualquer parada [gay]", diz. "É claro que há o machismo de exibir "lesbian chic", que duas mulheres juntas sustentam uma fantasia masculina. Mas foi uma iniciativa bacana."
Aguinaldo Silva afirma que não sabe se a cena foi um "avanço". Mas diz que o próximo passo na abordagem do homossexualismo pela teledramaturgia será também em "Senhora do Destino".
"Acontecerá no final de dezembro, quando Eleonora decidir adotar uma criança que encontra abandonada na lixeira do estacionamento do hospital. O tema polêmico que eu queria discutir era esse: é melhor para uma criança ficar na rua ou ser criada por duas mães? Por que os pais biológicos que simplesmente abandonam seus filhos na rua continuam com todos os direitos e não sofrem qualquer punição?", questiona.
O autor diz acreditar que não haverá rejeição à cena de ontem ou aos próximos capítulos da relação das meninas. "Isso nunca acontece quando existe emoção e verdade. É isso que as atrizes estão passando, emoção e verdade. O público fica sempre tocado."
Em "Mulheres Apaixonadas" (2003), escrita por Manoel Carlos, um casal de lésbicas já havia sido aceito pelos telespectadores e terminou num final feliz, em contraste às homossexuais que tiveram de ser mortas numa explosão, em "Torre de Babel" (98/99).


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