São Paulo, domingo, 26 de novembro de 2006

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Mônica Bergamo

@ - bergamo@folhasp.com.br

É usado, mas é Prada

Brechós de luxo vendem peças Gucci, Louis Vuitton e Chanel usadas por clientes que não têm mais espaço no guarda-roupa -ou que precisam de dinheiro na conta

A decoração iluminada das lojas H. Stern, Calvin Klein e Rosa Chá da vizinhança tornam ainda mais discreta a portinha sem fachada nem porteiro da rua Oscar Freire, entre as ruas Augusta e Haddock Lobo. Dentro do prédio, quatro lances de escada acima, a empresária Renata Portela recebe as clientes com champanhe. "Abrimos a loja em um lugar reservado, porque algumas mulheres têm vergonha de ser vistas entrando." Não, Renata não está inaugurando um sex shop. Ela acaba de abrir um brechó de peças de grife. A inauguração foi na terça-feira passada.

 

"Eu nem chamaria de brechó", diz Renata, apontando para uma bolsa Versace de couro de cobra -que, usada, custa R$ 2.600 (de acordo com a dona, metade de uma novinha). "É um depósito de seminovos. Um "dépôt'", explica, citando o termo em francês. As araras estão repletas dos tais "seminovos": há vestidos Jean Paul Gaultier (R$ 1.100), Pucci (R$ 1.500), Ungaro (R$ 2.200), camisas Replay (R$ 180), ternos Calvin Klein (R$ 300). "Criamos um ambiente diferenciado. Aqui não é um desses muquifinhos fedidos."
 

Regininha Moraes, filha do empresário Antônio Ermírio de Moraes, aparece na inauguração. "Adorei o lugar. Nunca comprei nada em brechó, mas compraria, sem problema." Há controvérsias. "Pra mim, no Brasil, brechó não dá. Eu tenho medo de comprar a roupa e encontrar a primeira dona na rua. Já pensou?", diz Rosário do Amaral, ex-embaixatriz do Brasil em Londres e em Paris (ela foi casada com Sérgio Amaral) enquanto passeia pelas araras. Na Europa, Rosário não tinha a mesma preocupação. "Lá ninguém me conhece. Eu vivia nos brechós de Londres. Minha sogra até hoje pergunta: "Você não desinfeta essas roupas?" Eu digo: "Eu não. Já vem lavado!'
 

Rosário continua: "Sabe, sempre que eu entro em brechó, acho que vou encontrar as roupas que minhas empregadas roubaram". Rosário diz que foi roubada "a vida toda" por funcionárias que trabalharam em suas residências. Ela passa por uma calça jeans da Miss Sixty, de R$ 600. "Caro demais. É jeans usado, gente!", comenta. Algumas taças de champanhe depois, Rosário não resiste. Faz compras e sai do brechó com um vestidinho trapézio marrom de Walter Rodrigues (R$ 900) e uma calça branca de Jefferson Kulig (R$ 190).
 

Beatriz Collor de Mello, sobrinha do ex-presidente, acha os preços das grifes de alto luxo "um absurdo", mesmo nos brechós. Mas gasta com elas. "Não sou consumista. Gosto de básico. Uma vez, entrei na Prada, comprei uma bolsa, um sapato e uma calça. Nem lembro quanto gastei, porque faz uns dez anos. Mas tenho até hoje. Entende a diferença? É clássico, vale." Fim da explicação, ela sai da loja com um vestido roxo curtinho de malha e veludo de Walter Rodrigues (R$ 400).
 

De jeans e blusa Daslu, sapatos Ferragamo, pulseira e anéis de brilhantes, Denise Fasano, mulher de Fabrizio Fasano, virou fornecedora do novo brechó. Ou seja, deixa por lá as roupas que não usa mais, e recebe depois um percentual da venda. "Já paguei 650 num sapato Marc Jacobs. Mas a gente muda, amadurece... Agora eu dou muita roupa para bazar beneficente. Só não dou Dior, Marc Jacobs, porque pega mal. As pessoas não entendem o valor dessas grifes." Segundo a dona do brechó, todas as roupas vão para o tintureiro antes de chegarem às araras da loja.
 

Denise é exceção. Poucos são os fornecedores que "saem do armário". "A regra aqui é ninguém saber quem compra e quem vende. A cliente quer tirar sua jaqueta Christian Lacroix no restaurante, mostrar a etiqueta e todo mundo achar que ela pagou R$ 3.000 em sua última viagem a Paris", diz a consultora de varejo Celina Cochen, contratada para auxiliar na implantação do projeto. Ela rodou os brechós da cidade para conhecer a concorrência. "Não tem nada parecido. Tinha um em Pinheiros em que as vendedoras tinham cara de empregada doméstica", diz. "Não precisa ser linda, mas tem que ter uma aparência agradável."
 

Fora do circuito dos Jardins, Célia Valverde administra o Breshop há sete anos em Moema. Gucci e Louis Vuitton recheiam as prateleiras. Um sobretudo de lã Chanel, aparentemente novinho, sai por R$ 350. "A dona enjoou, acredita?"
 

Thaís Valverde, filha de Célia e vendedora do brechó, entrega: "Esse pessoal vende porque está na pindaíba mesmo". Ela aponta uma bolsa na prateleira: "Olha, custou uns R$ 20 mil, mas a dona quer que a gente venda por uns R$ 4.000. Adivinha por quê? Precisa levantar dinheiro". Outras "jóias" do brechó: a mala Louis Vuitton (R$ 1.500) e a estola de raposa (R$ 400).
 

Nos fundos da loja, a funcionária Sueli Aparecida da Silva seleciona roupas dentro de um saco plástico preto, entregue há poucos minutos por uma "fornecedora secreta". Envergonhada, ela fica do lado de fora da porta -óculos de sol grandes, ao lado do carro importado. Diz que não quer ser entrevistada. "Ih, menina, aqui só tem coisa batidinha", diz Sueli ao ver as roupas da mulher, das grifes Zara, Rosa Chá e Daslu. "Não dá pra aproveitar nada, tadinha."
 

Dona do brechó Juisi, em Higienópolis, Simone Pokropp prefere não depender de fornecedores. Garimpa as peças em outros brechós Brasil afora e recebe roupas usadas do Japão. "Meu público são as peruas, sim. Mas é mais quem entende de moda, com conceito. As mulheres pagam o preço do meu olho clínico", diz Simone.
 

Miti Shitara, professora de história da moda da faculdade Santa Marcelina e consultora do brechó de Renata Portela, diz que "qualquer coisa de alto luxo tem bom mercado no Brasil". Mesmo que a peça seja usada. "O país tem esse ranço colonial. Quer ser igual ao primeiro mundo", afirma.


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