São Paulo, quinta, 26 de novembro de 1998

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DISCO/CRÍTICA
Pop ingênuo consegue casar Gismonti e Memê

do enviado ao Rio

Parece que a coisa toda teve mesmo de se definir pelo meio. Em 1984, grudes como "Pintura Íntima" e "Como Eu Quero", de uma banda então chamada, meu Deus, Kid Abelha & Os Abóboras Selvagens, eram a personificação do capeta num cenário em que o rock engajadinho dava as cartas.
A Lusitana rodou, e aquela gente toda assistiu à demolição de outro sonho transitório. Para sobreviver ou por convicção, uns abraçaram o tecno (Lulu Santos, Lobão, Ira!, Barão Vermelho), outros penduraram a rebeldia no cabide e se derramaram sobre sopros e orquestras -Titãs, Paralamas.
Quem tinha a ganhar, bingo!, era o Kid Abelha, que, como os outros, sempre fora muito ingênuo -só não fingia que não era. Nos 90, para continuar palatável, permaneceu como era -ganhou a aura da coerência.
"Autolove" é mais um produto simpático da ingenuidade Kid Abelha. Os exageros estão lá (nos sopros "paralâmicos" de "Tanta Gente", no popismo de rádio de "Eu Só Penso em Você", na idéia QI de abelha de basear a letra de "Ouvir Estrelas" em versos de Olavo Bilac).
Mas tudo é muito fofinho. As letras prosaicas de Toller impregnam discussão tolinha, mas procedente, sobre o amor. Ela se diverte: "Fora o tanto que eu me perco/ fora tudo mais que eu penso/ eu só penso em você", declara-se, cínica, em "Eu Só Penso em Você"; "Penso em você/ fico com alguém/ fico com alguém só pra pensar em você/ falam de nós dois/ torcem por nós dois/ só se fala disso na cidade", hiperboliza em "Três Taças".
Desmistifica o amor ("Quem ama ama o amor, e não outra pessoa", em "Depois das Seis", ou "adoro dizer "eu te amo' sem romantismo", em "Mãos Estranhas"), para a seguir romantizá-lo ("What is this thing called us?", em "Someday").
Tais detalhes se deitam na cama das canções, e essas são ainda o trunfo dessa ex-banda "vagaba", que hoje encara Egberto Gismonti (nas belas "Minas-São Paulo" e "Três Taças", líricas ao extremo -com Jaques Morelembaum e tudo) sem fugir de Memê ("Someday", disco music clássica) ou do infuenciador Roberto de Carvalho (piano em "Ouvir Estrelas"). Nem estranhe a presença de Gismonti -outsiders costumam ser despreconceituosos, e ele já gravou um LP inteiro, "Vamos Que Eu Já Vou" (77), com Wanderléa.
Bem, o que não falta em "Autolove" são melodias fáceis -e eficazes-, entoadas com segurança por dona Toller.
Daí saem as delícias de supermercado, em geral ultra-românticas: "Maio", "Três Taças" (irreparável até no instrumental de gafieira), "Mãos Estranhas" (tente cantar aqui a letra de "Pense em Mim", de Leandro e Leonardo; vai dar quase certo), "Tambaú" (flertando com jovem guarda, lounge music e a dupla francesa Air, que inspira a capa). É pop music, meninos. (PAS)


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