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DISCO/CRÍTICA
Pop ingênuo consegue casar Gismonti e Memê
do enviado ao Rio
Parece que a coisa toda teve
mesmo de se definir pelo meio.
Em 1984, grudes como "Pintura Íntima" e "Como Eu Quero", de uma banda então chamada, meu Deus, Kid Abelha &
Os Abóboras Selvagens, eram a
personificação do capeta num
cenário em que o rock engajadinho dava as cartas.
A Lusitana rodou, e aquela
gente toda assistiu à demolição
de outro sonho transitório. Para sobreviver ou por convicção,
uns abraçaram o tecno (Lulu
Santos, Lobão, Ira!, Barão Vermelho), outros penduraram a
rebeldia no cabide e se derramaram sobre sopros e orquestras -Titãs, Paralamas.
Quem tinha a ganhar, bingo!,
era o Kid Abelha, que, como os
outros, sempre fora muito ingênuo -só não fingia que não
era. Nos 90, para continuar palatável, permaneceu como era
-ganhou a aura da coerência.
"Autolove" é mais um produto simpático da ingenuidade
Kid Abelha. Os exageros estão
lá (nos sopros "paralâmicos"
de "Tanta Gente", no popismo
de rádio de "Eu Só Penso em
Você", na idéia QI de abelha de
basear a letra de "Ouvir Estrelas" em versos de Olavo Bilac).
Mas tudo é muito fofinho. As
letras prosaicas de Toller impregnam discussão tolinha,
mas procedente, sobre o amor.
Ela se diverte: "Fora o tanto que
eu me perco/ fora tudo mais
que eu penso/ eu só penso em
você", declara-se, cínica, em
"Eu Só Penso em Você"; "Penso em você/ fico com alguém/
fico com alguém só pra pensar
em você/ falam de nós dois/
torcem por nós dois/ só se fala
disso na cidade", hiperboliza
em "Três Taças".
Desmistifica o amor ("Quem
ama ama o amor, e não outra
pessoa", em "Depois das Seis",
ou "adoro dizer "eu te amo' sem
romantismo", em "Mãos Estranhas"), para a seguir romantizá-lo ("What is this thing
called us?", em "Someday").
Tais detalhes se deitam na cama das canções, e essas são ainda o trunfo dessa ex-banda
"vagaba", que hoje encara Egberto Gismonti (nas belas "Minas-São Paulo" e "Três Taças",
líricas ao extremo -com Jaques Morelembaum e tudo)
sem fugir de Memê ("Someday", disco music clássica) ou
do infuenciador Roberto de
Carvalho (piano em "Ouvir Estrelas"). Nem estranhe a presença de Gismonti -outsiders
costumam ser despreconceituosos, e ele já gravou um LP
inteiro, "Vamos Que Eu Já
Vou" (77), com Wanderléa.
Bem, o que não falta em "Autolove" são melodias fáceis -e
eficazes-, entoadas com segurança por dona Toller.
Daí saem as delícias de supermercado, em geral ultra-românticas: "Maio", "Três Taças" (irreparável até no instrumental de gafieira), "Mãos Estranhas" (tente cantar aqui a letra de "Pense em Mim", de
Leandro e Leonardo; vai dar
quase certo), "Tambaú" (flertando com jovem guarda,
lounge music e a dupla francesa Air, que inspira a capa). É
pop music, meninos.
(PAS)
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