São Paulo, terça-feira, 26 de dezembro de 2000

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MÚSICA/LANÇAMENTOS



Série de 14 discos resgata virtuoses do piano nacional



Divulgação


"Grandes Pianistas Brasileiros" traz gravações de Antonietta Rudge e Magda Tagliaferro, entre outros IRINEU FRANCO PERPETUO
ESPECIAL PARA A FOLHA



Pianista de renome internacional, ela se casou com o introdutor do futebol no Brasil, Charles Miller, mas acabou rompendo com nosso mais ilustre boleiro e indo parar nos braços do escritor Menotti del Picchia -tendo a carreira truncada não apenas pelo escândalo da separação, como também por uma grave doença.



Outros méritos não houvessem, e a série Grandes Pianistas Brasileiros, do selo Master Class, já valeria a pena apenas por nos legar documentos sonoros de Antonietta Rudge (1885-1934), possivelmente, o maior fenômeno pianístico que o Brasil já teve.
Editados no mercado de maneira avulsa, os 14 CDs iniciais da coleção documentam aquilo que seus organizadores chamam de "primeira geração" de artistas do teclado tupiniquins (nascidos entre 1885 e 1932). A idéia é chegar aos 60 volumes, abrangendo a segunda (1933-1960) e terceira gerações (1961-1980).
Um projeto ambicioso e de fôlego, reunindo material completamente inédito em CD e, em sua maioria, que jamais havia sido lançado comercialmente. Em relação à coleção anterior da Master Class (a integral das óperas de Carlos Gomes, de 1998), esta série tem um acabamento ainda melhor e qualidade sonora de nível internacional.
Antonietta Rudge começou a tocar piano aos 4 anos de idade e foi aluna do legendário italiano radicado no Brasil Luigi Chiaffarelli (1857-1923).
Lançado em 1972, seu único disco não fazia justiça a seus enormes recursos técnicos e musicais. Agora, graças a um meticuloso trabalho de Denis Wagner Molitsas e Evandro Pardini, os donos da Master Class, fitas de rolo, acetatos e discos de 78 rotações (em sua maioria dos anos 30), após trabalho de restauração de qualidade excepcional, permitem à posteridade recuperar a generosidade sonora de Rudge em um repertório variado, que vai da "Morte da Isolda", de Wagner (transcrita por Liszt) a obras de Ravel e Rachmaninov, passando por Chopin, Skriábin e Villa-Lobos.
Mas Rudge não é a única grande dama do piano brasileiro representada na série. Está lá, por exemplo, sua mais genial pupila (de cuja educação musical Rudge cuidou como assistente de Chiaffarelli), a paulista Guiomar Novaes (1894-1979), esbanjando musicalidade em Schumann e Chopin, em um recital gravado ao vivo no Rio de Janeiro, em 1969.
Curiosamente, sua gravação do "Carnaval", de Schumann, não inclui "Paganini"; e a seu cavalo-de-batalha, em "Grande Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro", de Gottschalk, também faltam 16 compassos, além de umas notas do começo. Tais probleminhas são, com grande honestidade, assinalados no encarte do CD e não comprometem em absoluto sua audição.
Há, ainda, uma peça na qual é possível comparar a interpretação de Rudge e Novaes: a transcrição de Sgambatti para a "Melodia para Flauta e Cordas", da ópera "Orfeu e Eurídice", de Gluck. Item que, não por acaso, é o bis preferido de Nelson Freire, maior pianista brasileiro da atualidade, que foi muito ligado à grande Guiomar.
Também está presente a mais ilustre contemporânea de Novaes e, em muitos sentidos, sua antípoda: Magda Tagliaferro (1893-1986), sinônimo de vitalidade e carisma, que pode ser considerada fundadora e chefe de uma escola própria de interpretação pianística, graças às intensas atividades pedagógicas desenvolvidas tanto no Brasil quanto na França, país em que passou boa parte de sua existência.
Sintomaticamente, Tagliaferro aparece, em uma gravação inédita feita na sala Cecília Meireles, em 1970, interpretando com muita verve o repertório francês (Fauré, Debussy, Saint-Saëns) que lhe era tão caro.
Impossível não se encantar, ainda, com o cuidado na produção do som e o refinamento no fraseado de Anna Stella Schic, 75, ao tocar Villa-Lobos. O registro é da década de 70, mesmo período em que Schic gravou a obra integral para piano solo do compositor brasileiro.
Como a coleção de sete CDs de Schic tocando Villa-Lobos, lançada pelo selo Solstice, é muito difícil de ser encontrada -tanto no Brasil quanto no país em que foi originalmente lançada, a França-, o disco da Master Class torna-se referência obrigatória para todos os interessados na obra pianística de nosso maior compositor de todos os tempos.
Digno de destaque é ainda o brilho de Yara Bernette, 80, ao interpretar, em registros feitos na Europa, na década de 70, os segundos concertos para piano e orquestra de Nikolai Medtner e Everett Helm, com algumas das melhores orquestras alemãs de seu tempo (Filarmônica de Munique, sob a batuta de Rudolf Kempe, no primeiro caso; e Sinfônica de Bamberg, regida por Ferdinand Leitner, no segundo).
Do lado masculino, há que se destacar o resgate de Bernardo Segall (1911-1993), aluno do célebre Aleksandr Siloti (pronuncia-se "zilóti") e que escreveu músicas para filmes e espetáculos da Broadway.
Dedilhado impecável, sonoridade rica, uso sem parcimônia do pedal: representado tanto por obras originais (dez prelúdios do "Cravo Bem Temperado", sem as respectivas fugas, gravados na ordem sugerida por Siloti) quanto por transcrições de seu mestre (entre as quais se destacam as monumentais "Toccata e Fuga em Ré Menor" e "Chacona para Violino Solo"), o Bach romantizado de Segall consiste no que de melhor se pode ouvir nesse estilo.
Por fim, uma parte expressiva da série valoriza a literatura brasileira para piano. Tome Souza Lima (1898-1982) tocando fantasias de Mignone; ou Arnaldo Estrella (1908-1980) em um recital de Villa-Lobos; ou o beethoveniano Fritz Jank (1910-1970) no refinado "Quinteto" de Henrique Oswald; ou ainda os variados programas verde-amarelos de Isabel Mourão, 68, Arnaldo Rebello (1905-1984) e os irmãos Heitor, 78, e Lydia Alimonda, 83.
Junte-se a isso a recuperação de Estelinha Epstein (1914-1980), pianista que caíra no anonimato, e do excelente Jacques Klein (1930-1982), um dos gigantes de sua geração, precocemente falecido, que deixou pouquíssimos documentos sonoros -e vai se ter nas mãos um dos melhores presentes possíveis.



Grandes Pianistas Brasileiros
    
Artista: vários
Lançamento: Master Class
Quanto: R$ 24 (cada CD, em média)





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