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Um homem e uma mulher
Ator mais próximo de Bergman, o sueco Erland Josephson fala sobre a relação com o cineasta
ANTOINE JACOB
DO "LE MONDE", EM ESTOCOLMO
Aos 86 anos, Ingmar Bergman
tornou-se um cineasta mais calmo, menos tenso. E ainda tem
planos na cabeça. Quem conta é o
ator Erland Josephson, que atuou
em mais de 15 longas de Bergman,
incluindo o mais recente, "Sarabanda", exibido na última Mostra
de Cinema de SP. O filme retoma
os personagens de "Cenas de um
Casamento" (1973).
A seguir, trechos da entrevista.
Pergunta - Como surgiu a idéia de
fazer "Sarabanda"?
Erland Josephson - Começou como uma espécie de brincadeira
entre Ingmar, Liv (Ullmann) e eu,
especulando sobre o que poderia
ter acontecido com Johan e Marianne, os personagens de "Cenas
de um Casamento". Um dia, um
de nós -gosto de acreditar que
fui eu- propôs, de brincadeira,
que fizéssemos um filme sobre a
vida 30 anos mais tarde. Então
nos demos conta de que nós três
estávamos com a mesma idéia na
cabeça. Mais tarde, Ingmar disse
que não, esse filme não tem nada
a ver com "Cenas de um Casamento" -mas é evidente que
tem, sim. Se não tivesse, por que
dar aos personagens os nomes de
Johan e Marianne? Eles carregam
na carne a experiência do que lhes
aconteceu 30 anos antes.
Pergunta - Como era o ambiente
durante as filmagens?
Josephson - Algumas cenas
eram carregadas de emoções fortes. É o caso da cena final, na qual
Johan entra no quarto de Marianne. É um momento de nudez profunda, em todos os sentidos da
palavra. A cena trata do tema
muito bergmaniano da solidão,
do medo de estar só, da impressão
de sentir sua existência ameaçada.
De modo geral, tivemos grande
prazer em filmar. Ingmar é alguém com quem é muito divertido trabalhar, apesar de ele exigir
muito das pessoas. Além disso,
nós nos conhecemos tão bem, ele
e eu, que compreendemos o menor gesto um do outro. Não é preciso analisar ou explicar as coisas.
Pelo fato de certas cenas remeterem a nossas vivências pessoais,
era inevitável que velhos conflitos
voltassem à tona de vez em quando. Ingmar e Liv viveram juntos
por vários anos, e nem tudo entre
eles foi resolvido. Mas é salutar
querer trazer as coisas à tona, em
vez de fingir ignorar as tensões.
Pergunta - Bergman mudou em
sua maneira de dirigir os atores?
Josephson - Não, não acho. É
verdade que ele se tornou mais
aberto, mais calmo e menos tenso, ele grita menos do que antes.
Mas em seu tom, em sua maneira
de analisar e de criar um clima no
set, ele não mudou nada. Às vezes
ele também se deixa irritar pelas
mudanças tecnológicas recentes.
Hoje existem novos equipamentos que ele não domina da mesma
maneira que os antigos.
Pergunta - Como se passou seu
reencontro com Liv Ullmann?
Josephson - Liv e eu nos conhecemos bem, há muito tempo. Mas
tenho que admitir que tivemos
um pouco de dificuldade no primeiro encontro de preparação da
filmagem. Aliás, é como o que
acontece no início do filme, quando Marianne chega à casa de Johan. Nós nos vimos lá, na obrigação de nos falar, de nos aproximarmos um do outro, sem consegui-lo realmente. Esse, aliás, é outro tema de Bergman.
Pergunta - Era importante para
Bergman voltar ao tema das relações entre pai e filho?
Josephson - Acho que Ingmar
não usaria o termo "importante"
-é pesado demais. Mas o tema
do pai que trata mal a seu filho é
algo que o toca pessoalmente. O
pai em "Sarabanda" não deu certo em nada em sua vida, é um perdido, e esse fracasso o tornou
mordaz. Nisso ele difere de outros
pais encontrados em outros filmes de Ingmar, se bem que seja
tão dominador e sem escrúpulos
quanto eles. O que é doloroso,
com Johan, é que ele não consegue amar seu filho.
Pergunta - "Sarabanda" evoca a
morte, o medo de morrer ou a espera...
Josephson - Em nossa idade, é
natural pensar na morte. Ingmar
tem uma atitude muito ambígua
com relação ao desejo de morrer,
à vontade de viver. Mas não sabemos se, no filme, ele evoca sua
própria relação com a morte. O
que é certo é que ele fala muito de
sua história pessoal quando o filho, Henrik, é dominado pelo sentimento de abandono, após a
morte de sua mulher. (O filme é
dedicado a Ingrid, a última mulher do diretor, morta em 1995.)
Pergunta - Você tem o costume
de falar da morte com Bergman?
Josephson - Sim, às vezes o fazemos. Nem sempre temos as mesmas opiniões. Ingmar gostaria
muito de acreditar em outra vida
após esta. Quanto a mim, isso não
me interessa tanto assim. Desde
1974 ou 1976, não sei mais, nós
nos falamos ao telefone quase todos os sábados. Os assuntos variam; muitas vezes são de ordem
muito pessoal. Às vezes não temos grande coisa a nos dizer, mas
sempre podemos conversar.
Compartilhamos tantas referências comuns, trabalhamos juntos
tantas vezes...
Pergunta - De que vocês conversaram no sábado passado?
Josephson - Foi algo muito particular: ele estava com dor de estômago! Aprendemos com Strindberg a misturar trivialidade e
grandeza, a merda e os céus.
Strindberg significa muitas coisas
para Ingmar.
Pergunta - Como vai indo Bergman em sua casa na ilha de Faaro?
Josephson - Ele acha muito de
seu agrado viver no isolamento.
Mas se entedia tremendamente
sem seus atores! Isto dito, ele não
quer começar mais nada -pelo
menos é o que afirma. Acredito
que, desta vez, ele pensa realmente assim. Mesmo assim, nada impede que ele mude de opinião. Ele
já o fez no passado. Ele precisaria
encontrar uma forma mais fácil
de se expressar -um filme é algo
tão pesado! Acho que poderia ser
uma espécie de teatro de câmera,
com alguns poucos atores. Bergman ainda tem algumas histórias
a contar. Ele me falou um pouco
disso. Não posso dizer mais.
Tradução de Clara Allain
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