São Paulo, quinta-feira, 27 de janeiro de 2011 |
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CRÍTICA DOCUMENTÁRIO "Lixo Extraordinário" é tão mega quanto Vik Longa indicado ao Oscar usa artifícios do artista e revela mecanismos de valor por trás da arte contemporânea DE SÃO PAULO Está registrado em "Lixo Extraordinário". No momento do documentário em que ele se encontra pela primeira vez com Sebastião Carlos dos Santos, o Tião, Vik Muniz não faz rodeios sobre quem é. "Eu sou o artista brasileiro que mais vende, talvez a pessoa mais em voga no exterior", diz o artista plástico. Tião, líder agora célebre da associação de catadores do Jardim Gramacho, no Rio, responde: "Parabéns, cara". E a conversa segue para estabelecer detalhes dos planos de Muniz para os trabalhadores desse que é o maior aterro sanitário do mundo, a saga que está contada no filme indicado ao Oscar de melhor documentário do ano. Tudo nesse filme, na vida e na obra de Muniz parece seguir esse tom exaltado. É mega, eletrizante, deslumbrado. E o artista, filho de retirantes nordestinos que virou isso mesmo que ele diz ser, o homem mais em voga da arte nacional, sabe bem disso. Muniz se debruça sobre a história sofrida dos catadores de Gramacho como quem se admira com os acasos da própria vida -é um espelho difuso que está em ação. Não é à toa que o documentário é aberto com cenas de uma palestra em que conta como é que ele foi parar lá. Lembra o tiro que levou quando tentou apartar uma briga de bar e o dinheiro que recebeu para não denunciar o autor do disparo, a grana que usou para comprar a passagem para os EUA. Num paralelo nada sutil, conta que ele também cuidava do lixo de um açougue quando chegou à terra prometida e visita o mercado num ato cenográfico que resulta tão dramático quanto as primeiras vistas aéreas do Jardim Gramacho, uma montanha enorme de dejetos que estarrece pela magnitude. Ele deixa seu estúdio em Nova York e embarca numa missão impossível de "ajudar aquelas pessoas", "viciados em drogas que vivem no fim da linha, para onde tudo que não é bom acaba indo". E as imagens hiperbólicas, discursos inflados e um tanto maniqueístas impressionam nesse documentário usando os mesmos artifícios que a produção plástica de Muniz. Mas por ser maior do que uma foto, longe da firmeza de um autor, o filme sofre. Problemas com a saída da diretora e brigas entre produtores levaram a um resultado esquizofrênico, um filme que começa perfilando seu protagonista e descamba para um retrato enternecedor de uma comunidade carente na cidade mais bela do mundo, algo para encher mesmo os olhos. E é nesse ponto que o longa atinge um resultado involuntário. Não se torna um filme memorável, um produto cinematográfico notável, mas serve como documentário eficaz sobre os mecanismos da arte contemporânea. Mostra como uma grife que é Vik Muniz consegue atenção mundial para uma catástrofe urbanística ao mesmo tempo em que se valoriza em leilões e vira a coqueluche de colecionadores. Estabelece uma rota conhecida do seu protagonista como caminho possível, o sonho americano, a receita para transformar lixo em luxo. (SILAS MARTÍ) LIXO EXTRAORDINÁRIO DIREÇÃO Lucy Walker, Karen Harley, João Jardim PRODUÇÃO Brasil/Inglaterra, 2010 ONDE nos cines Livraria Cultura 2 e Frei Caneca Unibanco Arteplex 7 CLASSIFICAÇÃO livre AVALIAÇÃO ruim Texto Anterior: Contardo Calligaris: Segurança ou liberdade? Próximo Texto: Tião lidera reunião no lixão e sonha ver Angelina Índice | Comunicar Erros |
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