São Paulo, quarta, 27 de janeiro de 1999

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SUNDANCE FILM FESTIVAL
Documentário resume a geração beat

AMIR LABAKI
enviado especial a Park City (EUA)

"The Source" (A Fonte) não é apenas mais um documentário sobre a geração beat, o grupo iconoclasta de escritores que enfrentou a mesmice Sears dos EUA do pós-Segunda Guerra.
Chuck Workman lança no Sundance, dentro da competição não-ficcional, talvez a melhor introdução em filme ao legado de Jack Kerouac, William Burroughs, Allen Ginsberg e turma.
Workman é do ramo. Em 1990 conseguiu a proeza de decifrar a esfinge Andy Warhol e contextualizá-la dentro da cultura americana contemporânea em "Superstar".
O projeto aqui é similar. "The Source" apresenta as raízes da cultura beat, no início dos anos 50, acompanha seu amadurecimento e aponta seus frutos contemporâneos.
Workman é mais forte quando reconstitui o passado do que quando pesquisa o presente.
A estrutura é cronológica. Workman aponta como marco inaugural da literatura beat o encontro na Nova York de 1944 de Kerouac, Burroughs e Ginsberg.
O filme traz valiosas entrevistas históricas com os dois últimos e um curioso material de arquivo, sobretudo televisivo, com o primeiro.
"Nós jamais pensávamos em nos impor. Escrevíamos num processo de autoconhecimento", depõe um doce e sábio Ginsberg. "Não queríamos representar ninguém, só nós mesmos."
Burroughs, por sua vez, não pestaneja em reconhecer "todos os tipos de vícios".
Feita a introdução geral, "The Source" divide a história beat a partir de três marcos: o romance autobiográfico "Pé na Estrada", de Kerouac, o poema "Uivo", de Ginsberg, e a lisérgica novela "Almoço Nu", de Burroughs.
Cada livro cria o contexto para o resumo biográfico de cada autor.
O arquivo de imagens de Burroughs é de longe o mais rico. Kerouac surge sobretudo em fotos e entrevistas de TV.
A documentação visual sobre Ginsberg é curiosa, mas não especialmente impactante. Cumpre esperar o documentário em andamento de Marina Goldovskaya e Gyulia Gaszdag, que filmaram quase uma semana do cotidiano do poeta às vésperas da morte, em abril de 1997.
Johnny Depp confirma seu fascínio por Kerouac lendo trechos de suas obras principais.
John Turturro interpreta trechos de "Uivo". Cabe, por fim, a Dennis Hopper compor um estupendo Burroughs ao declamar extratos de "Almoço Nu".
Mas "The Source" vai além do trio. São breves, porém marcantes, os perfis de Neal Cassidy (o grande inspirador de "Pé na Estrada") e Timothy Leary. Ferlinghetti, Corso e Bowles, contudo, mereciam maior atenção.
É especialmente divertida a sequência que demonstra a absorção do movimento pela indústria de massa, de uma apresentação da telessérie de Hitchcock a um solo de Audrey Hepburn em "Funny Face".
Mas "The Source" vai perdendo foco com a dispersão da gangue nos anos 60.
Workman ainda marca alguns pontos ao salientar os contatos entre beats e hippies.
De 68 para frente, contudo, boas sacadas se sucedem sem formar um retrato definido dos herdeiros do movimento.
Ainda assim, parece difícil encontrar melhor resumo em hora e meia do impacto da geração beat neste meio século.
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O crítico Amir Labaki está em Park City como jurado da competição latino-americana.
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O colunista Marcelo Coelho está em férias



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