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Crítica/"Os Órfãos de Eldorado"
Narrativa sutil deixa malabarismos de lado
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Depois de publicar "Relato de um Certo
Oriente", Milton Hatoum levou mais de dez anos
para lançar "Dois Irmãos". Aí,
passaram-se uns cinco até que
saísse "Cinzas do Norte". Os
três romances ganharam o Prêmio Jabuti. Desta vez, a espera
foi mais curta (menos de três
anos), o texto é bem menor
(mal chega a cem páginas), e,
provavelmente, um novo Jabuti não virá. E isso não deveria
ser uma má notícia.
Se a força da obra vai parecer
reduzida para muita gente, talvez isso decorra do fato de que o
autor, celebrado de modo exagerado por seus dois livros anteriores, que reverberaram o
impacto do volume de estréia,
tenha neste "Órfãos do Eldorado" adquirido uma segurança
que o permite deixar de lado
certos malabarismos narrativos. O livro é conciso, sutil e
bem amarrado.
Nova trajetória
Ainda que muito do universo
da produção prévia aqui reapareça (a questão da memória, o
drama familiar, o Amazonas),
não será surpreendente se ele
marcar uma espécie de nova fase na trajetória do escritor
(desse ponto de vista, a guinada
poderia ser comparada à de
Bernardo Carvalho, em cuja
obra algo semelhante acontece
não por acaso com um livro de
encomenda -"Medo de Sade",
da coleção "Literatura ou Morte", da Companhia das Letras).
Trocando um pouco o sentido do que é dito, essa mudança
sugere um movimento similar
ao que ocorre com o narrador
de "Órfãos do Eldorado": "Naquela época as lembranças apareciam devagar, que nem gotas
de suor. Eu me esforçava para
esquecer, mas não conseguia
[...]. Hoje, as lembranças chegam com força. E são mais
nítidas."
Enfim, se o tom geral do livro
é negativo, melancólico, triste,
já a partir do poema de Kaváfis
escolhido para a epígrafe ("A
Cidade", do qual reproduzo os
dois versos finais: "Como dissipaste tua vida aqui/ Neste pequeno lugar, arruinaste-a na
Terra inteira"), a leitura da história da paixão destruidora de
Arminto, "filho de Amando
Cordovil, neto de Edílio Cordovil, filhos de Vila Bela e deste rio
Amazonas" é, por outro lado,
cheia de pequenas recompensas: "Não lembrava com nitidez
do rosto; dos olhos, sim, do
olhar. Rever o que foi apagado
pela memória é uma felicidade". E, na verdade, uma coisa
obviamente não se contrapõe
à outra.
ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura
da Escola de Artes, Ciências e Humanidades
(EACH) da USP.
ÓRFÃOS DO ELDORADO
Autor: Milton Hatoum
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 29 (112 págs.), com lançamento em 3/3
Avaliação: ótimo
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