São Paulo, quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

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Crítica/"Os Órfãos de Eldorado"

Narrativa sutil deixa malabarismos de lado

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Depois de publicar "Relato de um Certo Oriente", Milton Hatoum levou mais de dez anos para lançar "Dois Irmãos". Aí, passaram-se uns cinco até que saísse "Cinzas do Norte". Os três romances ganharam o Prêmio Jabuti. Desta vez, a espera foi mais curta (menos de três anos), o texto é bem menor (mal chega a cem páginas), e, provavelmente, um novo Jabuti não virá. E isso não deveria ser uma má notícia.
Se a força da obra vai parecer reduzida para muita gente, talvez isso decorra do fato de que o autor, celebrado de modo exagerado por seus dois livros anteriores, que reverberaram o impacto do volume de estréia, tenha neste "Órfãos do Eldorado" adquirido uma segurança que o permite deixar de lado certos malabarismos narrativos. O livro é conciso, sutil e bem amarrado.

Nova trajetória
Ainda que muito do universo da produção prévia aqui reapareça (a questão da memória, o drama familiar, o Amazonas), não será surpreendente se ele marcar uma espécie de nova fase na trajetória do escritor (desse ponto de vista, a guinada poderia ser comparada à de Bernardo Carvalho, em cuja obra algo semelhante acontece não por acaso com um livro de encomenda -"Medo de Sade", da coleção "Literatura ou Morte", da Companhia das Letras).
Trocando um pouco o sentido do que é dito, essa mudança sugere um movimento similar ao que ocorre com o narrador de "Órfãos do Eldorado": "Naquela época as lembranças apareciam devagar, que nem gotas de suor. Eu me esforçava para esquecer, mas não conseguia [...]. Hoje, as lembranças chegam com força. E são mais nítidas."
Enfim, se o tom geral do livro é negativo, melancólico, triste, já a partir do poema de Kaváfis escolhido para a epígrafe ("A Cidade", do qual reproduzo os dois versos finais: "Como dissipaste tua vida aqui/ Neste pequeno lugar, arruinaste-a na Terra inteira"), a leitura da história da paixão destruidora de Arminto, "filho de Amando Cordovil, neto de Edílio Cordovil, filhos de Vila Bela e deste rio Amazonas" é, por outro lado, cheia de pequenas recompensas: "Não lembrava com nitidez do rosto; dos olhos, sim, do olhar. Rever o que foi apagado pela memória é uma felicidade". E, na verdade, uma coisa obviamente não se contrapõe à outra.


ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP.

ÓRFÃOS DO ELDORADO
Autor:
Milton Hatoum
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 29 (112 págs.), com lançamento em 3/3
Avaliação: ótimo


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