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ENTREVISTA
ENRIQUE VILA-MATAS
"Sempre que estou só, estou desaparecido"
Em seu sexto livro lançado no Brasil, autor catalão aborda dilema entre exposição e reclusão, angústia para ele comum aos que vivem da literatura
O ESCRITOR espanhol Enrique Vila-Matas
tem um cânone literário particular, do
qual retira a essência de sua obra. Destaque no panteão, o suíço Robert Walser
(1878-1956) é o guia de "Doutor Pasavento", romance
que a Cosac Naify lança no Brasil. Walser, "herói moral" de Vila-Matas, que passou seus 27 últimos anos de
vida internado em asilos, sem escrever, demarca a jornada do tal "doutor" em busca da arte de desaparecer.
FABIO VICTOR
DA REPORTAGEM LOCAL
Os livros de Enrique Vila-Matas são repletos de citações
de outros autores. Em "Doutor
Pasavento" o leitor fica atordoado entre as centenas de pílulas intelectuais de terceiros.
Em entrevista à Folha, ele
conta que "metade delas são
falsas". "Trabalho com um tipo
de sintaxe que me permite passar de uma fase a outra graças a
uma citação inventada."
A metaliteratura do autor espanhol é um divertido jogo em
que "ser grande é saber ceder o
seu lugar a outro" -como escreve na orelha Gonçalo M. Tavares, citando a citação que Vila-Matas faz de Peter Handke.
Leia a seguir trechos da entrevista, feita por telefone.
FOLHA - Alguma vez o sr. desapareceu, evaporou?
ENRIQUE VILA-MATAS - Sempre
que estou só, estou desaparecido, não vejo ninguém e não sou
visto. Há uma frase do escritor
francês Maurice Blanchot:
"Quando estou só, não estou".
É um paralelismo com o ofício
do escritor, que trabalha sozinho e desaparece na escrita.
FOLHA - À parte a metáfora, em alguma ocasião o sr. desapareceu
mesmo, como Agatha Christie em
1926 [quando a escritora britânica
ficou 11 dias sumida]?
VILA-MATAS - Tenho que decepcionar-lhe e lhe dizer que não.
A resposta é pouco interessante, por isso recorri à metáfora.
FOLHA - Insisti justo para saber se
tudo se encerra na metáfora...
VILA-MATAS - Sim, está comprovado aqui perfeitamente. É claro que já pensei o que ocorreria
se eu desaparecesse, e percebi
que existia a possibilidade de
que ninguém se desse conta por
muitos dias. E então descobri
que o tema de "Doutor Pasavento" era sem dúvida a busca
da desaparição por parte de um
escritor, mas que também o tema da solidão estava lá.
Quando
[o narrador] se dá conta de que
ninguém o procura, é uma frustração. Isso está relacionado
com algo que me ocorre como
escritor mais ou menos conhecido. Reclamo do trabalho de
divulgação, entrevistas, palestras. Mas se um dia ninguém
me liga, fico muito preocupado.
Numas férias de minha juventude estive em Cadaqués,
na Costa Brava [Espanha], onde veraneavam Salvador Dalí e
Marcel Duchamp. Presenciei
um encontro entre os dois no
café da praça da cidade, no qual
Dalí falava o tempo todo, e Duchamp não dizia nada. Vi um
pouco as duas possibilidades de
um artista: a exibição, que era
Dalí, e o silêncio, que era Duchamp. Ali estavam os dois eixos do discurso literário.
FOLHA - O sr. de fato presenciou o
encontro ou o criou ficcionalmente?
VILA-MATAS - Presenciei, estive
na casa de Dalí duas vezes e
cheguei a entrevistá-lo. Como
já inventei entrevistas na revista "Fotogramas", muitos acharam que a de Dalí foi inventada,
mas não foi -há fotografias.
FOLHA - Uma vez que sua obra é
um jogo entre ficção e realidade, há
um risco constante de que os outros
não creiam nas histórias reais, não?
VILA-MATAS - Sim, é um risco
que se corre. Mas na realidade
nunca minto e nunca invento
gratuitamente. Geralmente o
ponto de vista que adoto de um
fato real faz pensar se aquilo é
ou não verdade, mas sempre é
verdade do ponto de vista textual, porque se não é crível é
porque não foi bem contado.
FOLHA - Como entram as citações,
um dos seus selos autorais, na criação de sua metaliteratura?
VILA-MATAS - Trabalho com as
citações como se fossem uma
sintaxe para construir o que
quero dizer. Na metade das vezes, as citações são inventadas,
ou transformadas para dizer o
que quero dizer, ou seja, metade delas são falsas. O que crio,
sem me dar conta, é uma espécie de cânone literário particular, com autores que não são
necessariamente os canônicos.
Aí aparecem autores como Robert Walser, [Georges] Perec,
[Witold] Gombrowicz. Trabalho com um tipo de sintaxe que
me permite passar de uma fase
a outra graças a uma citação inventada, um sistema como
qualquer outro.
FOLHA - O sr. já emulou Melville,
Hemingway, Walser etc. Quais são
os próximos?
VILA-MATAS - O livro que será
lançado em 15 dias na Espanha
e na França, e depois no Brasil,
chamado "Dublinesca", tem como centro a Irlanda, James
Joyce e Samuel Beckett. Se
"Doutor Pasavento" é um livro
sobre a desaparição, "Dublinesca" trata da reaparição do autor, um tema contrário. E estou
trabalhando em outro livro no
qual a referência é a cidade italiana de Turim.
FOLHA - Por que Turim?
VILA-MATAS - Porque ali se escreveu, em um quarto fechado,
um livro de Xavier de Maistre,
"Viagem ao Redor de Meu
Quarto", e porque não conheço
Turim. Estou escrevendo como
se estivesse num quarto fechado naquela cidade, o quarto onde foi escrito o livro.
FOLHA - O sr. menciona um gol de
Pelé na abertura de "Doutor Pasavento", depois cita Maradona, escreve no jornal "El País" sobre futebol. Como esse esporte se relaciona
com sua obra?
VILA-MATAS - Sou um grande
torcedor do Barça, orgulhoso
de ser amigo do seu treinador,
Guardiola. A citação a Pelé na
primeira página de "Pasavento" é porque começo tão majestosamente com Montaigne que
queria indicar ao leitor que não
seria sempre transcendente.
Faz-me muito bem escrever sobre futebol, porque obriga-me a
algo que não me obrigam os romances, que é o sentido comum. Quando falo de futebol é
impossível ser original, porque
todo mundo fala disso.
Leia a íntegra da
entrevista
www.folha.com.br/100571
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