São Paulo, segunda-feira, 27 de março de 2000


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TEATRO

Beto Bellini é suspeito de falsificar documentos e receber verbas de patrocínio de cerca de R$ 478 mil

Produtor carioca é acusado de fraude

da Sucursal do Rio



A RioArte -órgão que incentiva a produção, pesquisa e difusão de cultura no município- encaminhou na última sexta à controladoria da Prefeitura do Rio documentos referentes a três projetos teatrais suspeitos de utilização fraudulenta. O caso envolve verbas públicas da ordem de 450 Ufir (R$ 478 mil, em valores atuais).
A atriz Patrícia Gordo e a diretora Christina Streva, sócias na produtora Streva Gordo, acusam o produtor Carlos Alberto Belline, conhecido como Beto Bellini, dono da Brumália Produções, de falsificar documentos e, por meio de intermediários, receber verbas de patrocínio. Bellini produziu a peça "Um Passeio no Bosque", em cartaz em São Paulo.
Patrícia e Christina pediram no dia 21 de março a instauração de inquérito policial contra Beto Bellini para apurar crime fiscal, falsificação de documentos, falsidade ideológica e estelionato.
A história começou em setembro de 1998, quando Bellini conheceu Patrícia Gordo durante as gravações da novela "Torre de Babel", da Rede Globo. "Nos conhecemos durante os cinco dias de gravação, e ele falava de sua experiência de produtor e de como poderíamos montar um espetáculo juntos", diz Patrícia.
Bellini teria convidado Patrícia, que já abrira a Streva Gordo com Christina, para montar uma peça com verbas de patrocínio que ele afirmara receber dos hospitais Samaritano e Procardíaco.
Christina conta que Bellini propôs que a Streva Gordo assumisse o projeto porque a Brumália já tinha outros dois projetos apresentados à RioArte e tinha pendências burocráticas.
As duas produtoras decidiram que usariam a verba prometida para produzir "Loucos de Amor", do dramaturgo americano Sam Shepard.
Bellini as convenceu a pedirem à RioArte a transferência de responsabilidade do projeto "Os Príncipes" para a Streva Gordo. Segundo ele, seria simples depois trocar a estrutura dessa peça para transformá-la em "Loucos de Amor", mas advertiu-as de que isso demoraria mais de um ano.
Segundo Christina, a relação dela e de Patrícia com Bellini terminou quando ele propôs o uso da verba de um projeto em outras peças. "Eu disse a ele que não estávamos no mercado para servirmos de "laranja" para ninguém. Não nos falamos mais, e a empresa nunca foi usada por nós para produzir peças."
Ela diz que ficou surpresa quando descobriu, no início de março, que havia projetos no nome da produtora tocados sem o conhecimento dela e de Patrícia.
Bellini, ainda segundo Christina, falsificou a assinatura de Patrícia Gordo em mais de 300 documentos e chegou a abrir uma conta fantasma para receber e gerenciar o dinheiro arrecadado em cada projeto.
Para não ser diretamente vinculado à fraude, Bellini teria usado a ex-bilheteira Lindiomar Pereira Ferreira como "laranja". Ela abriu a produtora 2B e fazia as transações com cheques que eram depositados em uma conta da Streva Gordo. Segundo Patrícia e Christina, essa conta foi aberta sem que elas tivessem conhecimento, com o uso de assinaturas falsificadas.
Lindiomar diz que serviu de mensageira de luxo, levando cheques e outros documentos da prefeitura para Bellini, que, segundo ela, dizia que Patrícia Gordo era uma amiga de escola que cedera a empresa para aqueles projetos.
A confusão foi descoberta em fevereiro deste ano pela RioArte. Sônia Dantas, secretária-executiva da RioArte, conta que sua antecessora no cargo, Loana Maia, estranhou um documento que pedia a mudança do nome do projeto "Os Príncipes" para "Perpétua". "Achamos que as alterações eram grandes demais. "Os Príncipes" é uma peça para quatro atores, "Perpétua", para dois. E, como eu sabia que "Perpétua" já tinha sido montada em São Paulo, não precisaria de novos cenários. Onde iam gastar o dinheiro captado por meio da lei de incentivo à cultura?", diz Sônia.
A lei municipal citada é a 1.940, de 1992, e prevê o uso em projetos culturais de até 20% do ISS (Imposto sobre Serviços) devido por empresas. Por meio desse incentivo, a produtora foi autorizada a captar R$ 176 mil, o máximo permitido pela lei. "Os Príncipes" captou R$ 135.761.
Outro detalhe que deixou Sônia Dantas intrigada foi o fato de que em nenhum cartaz ou mesmo no programa da peça havia o nome da produtora Streva Gordo. "Achei estranho, porque o que uma produtora mais quer é ver seu nome no cartaz. É bom marketing."
Patrícia Gordo foi chamada a prestar esclarecimentos e demonstrou surpresa. "Ela ficou assustada. Afirmou que sua assinatura tinha sido falsificada. Nós dissemos para ela que, se isso aconteceu, seria caso de polícia, porque todos os documentos vinham com assinaturas dela autenticadas em cartório. Para a RioArte, o que é necessário esclarecer são as alterações detectadas no projeto de "Os Príncipes", que virou "Perpétua"."
Mas não é só Patrícia que acusa Bellini de praticar golpes. Dionísio Neto, autor de "Perpétua", a peça que inadvertidamente foi a responsável pela descoberta da fraude, diz que montou o espetáculo com seu próprio dinheiro, sem nenhum real de patrocínio, e que foi enganado por Bellini.
"Procuramos por um produtor para nos auxiliar no Rio. Fomos sem nenhum patrocínio e ficamos hospedados na casa de amigos. Bellini disse que faria propaganda do espetáculo em troca de 5% da bilheteria, mas só apareceu no dia da estréia. Ficamos sem dinheiro e tivemos que cancelar a temporada."
Irritado quando soube que seu nome estava envolvido no caso, Dionísio enviou uma carta formal à RioArte tentando esclarecer o que aconteceu. "Samantha Monteiro, que atuou e produziu a peça comigo, ligou para Bellini para perguntar o que aconteceu, e ele disse que não arrecadou todos os R$ 176 mil e que acabou usando o dinheiro na peça "Um Passeio no Bosque"."
"Passeio" já foi montada no Rio. É outro projeto que está em nome da Streva Gordo tocado por Bellini e que também recebeu autorização da RioArte para captar R$ 176 mil. Sofreu também uma mudança de nome -antes se chamava "Na Bagunça do Teu Coração".
O terceiro projeto feito sob o nome da Streva Gordo é uma coleção de CDs da pianista Míriam Ramos, que usou uma verba de cerca de R$ 60 mil da RioArte. É o único que não apresentou irregularidades aparentes, mas, como os outros, não é reconhecido pelas produtoras.



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