São Paulo, sábado, 27 de março de 2004

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LITERATURA

Perseguido pelo regime de seu país, escritor chinês foi um dos convidados de honra no Salão do Livro de Paris

"Poesia muda na profundidade", diz Bei Dao

BETTY MILAN
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM PARIS

O poeta Bei Dao nasceu em Pequim em 1949. Foi guarda vermelho e, no fim dos anos 70, porta-voz da geração sacrificada pela Revolução Cultural. Em fevereiro de 1989, escreveu uma petição, assinada por 30 intelectuais, pela liberação dos prisioneiros.
Após o massacre de Tienanmen, em junho de 1989, não pôde mais viver na China. Radicado hoje na Califórnia, ele representou a diáspora no Salão do Livro de Paris, que terminou na última quarta e recebeu neste ano como convidados de honra 30 escritores das letras chinesas para homenagear o país. Segue a entrevista do poeta para a Folha.
 

Folha - Como foi que você se tornou guarda vermelho?
Bei Dao -
Na minha geração, a educação foi interrompida pela Revolução Cultural, e nós todos nos tornamos guardas vermelhos.

Folha - O que significou interromper os estudos?
Bei Dao -
Todas as escolas foram fechadas. E os jovens acharam ótimo não ir à escola. Depois de três anos, fui designado para trabalhar na cidade, na área da construção civil, onde eu fiquei por 11 anos.

Folha - Como era esse trabalho?
Bei Dao -
A maioria dos estudantes foi para o campo, onde as condições de vida eram piores, só que havia mais liberdade. Eles podiam passar o inverno inteiro em casa, sem fazer nada. Já eu não.

Folha - E depois, o que ocorreu?
Bei Dao -
Em 1978, fundei com outros escritores uma revista literária não oficial. Chamava-se "Hoje". Durou dois anos e foi fechada pela polícia. Era contrária ao realismo socialista e ressurgiu no ano de 1988, em Oslo.

Folha - Em 89, você escreveu uma petição pela liberação dos prisioneiros. O que o levou a ousar isso?
Bei Dao -
Escrevi a petição em fevereiro, ao voltar dos EUA, onde estive para ensinar a língua chinesa. Escrevi por achar que havia uma energia favorável à reação contra o autoritarismo do governo. A China comemorava 40 anos de República Popular.

Folha - Você foi perseguido?
Bei Dao -
Por coincidência, deixei a China antes de junho de 1989. Fui a San Francisco em abril e depois a Berlim, com uma bolsa.

Folha - E você nunca mais voltou para a China?
Bei Dao -
Não pude voltar durante anos. Tiraram-me o passaporte. Só voltei há três anos, porque meu pai estava muito doente.

Folha - O que significa para você viver nos Estados Unidos?
Bei Dao -
Não tive escolha. Agora estou acostumado com a Califórnia, já que minha filha estuda lá.

Folha - Como foi que a sua poesia se tornou conhecida na Europa e nos Estados Unidos?
Bei Dao -
Para dizer a verdade, não sei. Não sou tão conhecido. Não acho que os poetas tenham como ser conhecidos atualmente.

Folha - Mas eu o conheço há dez anos, através do Parlamento Internacional dos Escritores.
Bei Dao -
Fui um dos fundadores do Parlamento.

Folha - Você sabia que o Brasil teve uma cidade-refúgio?
Bei Dao -
Onde?

Folha - No sul, em Passo Fundo.. Graças à difusão das ações do Parlamento pela imprensa e pelos organizadores do Congresso de Passo Fundo, entre os quais há vários escritores... Gostaria de saber como o Parlamento continua a sua ação hoje.
Bei Dao -
Através de uma revista publicada em sete línguas.

Folha - Também em português?
Bei Dao -
Sim. Você pode ver isso no website [www.autodafe.org].

Folha - Que diferença há entre a poesia chinesa atual e a ocidental?
Bei Dao -
A nova poesia da China se parece com a ocidental, ela é escrita em verso livre.

Folha - Mas há diferenças?
Bei Dao -
Sim, devidas à língua. O chinês é mais poético, mais flexível. Para mim, é a melhor língua para a poesia.

Folha - Num dos seus poemas, "Requiem", você diz que "a poesia corrige a vida". O verso me levou a pensar na relação entre a poesia e a filosofia.
Bei Dao -
A poesia não muda a vida na superfície, só em profundidade. Muda, por exemplo, a língua, e o que importa não é a quantidade de leitores. O que importa é o tipo de leitor. São cantores, intelectuais.

Folha - Formadores de opinião. De quando data a poesia na China?
Bei Dao -
O "Livro das Canções" foi escrito há 3.000 anos. E a educação na China passa pela memorização da poesia.

Folha - A poesia chinesa está imbuída de sabedoria?
Bei Dao -
Não sei.

Folha - Você é um sábio?
Bei Dao -
Não, eu sou um servidor do sábio.

Folha - E o sábio quem é?
Bei Dao -
Não sei.

Folha - Talvez seja a poesia.
Bei Dao -
Sim, é.


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