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LITERATURA
Perseguido pelo regime de seu país, escritor chinês foi um dos convidados de honra no Salão do Livro de Paris
"Poesia muda na profundidade", diz Bei Dao
BETTY MILAN
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM PARIS
O poeta Bei Dao nasceu em Pequim em 1949. Foi guarda vermelho e, no fim dos anos 70, porta-voz da geração sacrificada pela
Revolução Cultural. Em fevereiro
de 1989, escreveu uma petição, assinada por 30 intelectuais, pela liberação dos prisioneiros.
Após o massacre de Tienanmen, em junho de 1989, não pôde
mais viver na China. Radicado
hoje na Califórnia, ele representou a diáspora no Salão do Livro
de Paris, que terminou na última
quarta e recebeu neste ano como
convidados de honra 30 escritores
das letras chinesas para homenagear o país. Segue a entrevista do
poeta para a Folha.
Folha - Como foi que você se tornou guarda vermelho?
Bei Dao - Na minha geração, a
educação foi interrompida pela
Revolução Cultural, e nós todos
nos tornamos guardas vermelhos.
Folha - O que significou interromper os estudos?
Bei Dao - Todas as escolas foram
fechadas. E os jovens acharam ótimo não ir à escola. Depois de três
anos, fui designado para trabalhar
na cidade, na área da construção
civil, onde eu fiquei por 11 anos.
Folha - Como era esse trabalho?
Bei Dao - A maioria dos estudantes foi para o campo, onde as condições de vida eram piores, só que havia mais liberdade. Eles podiam
passar o inverno inteiro em casa,
sem fazer nada. Já eu não.
Folha - E depois, o que ocorreu?
Bei Dao - Em 1978, fundei com
outros escritores uma revista literária não oficial. Chamava-se
"Hoje". Durou dois anos e foi fechada pela polícia. Era contrária
ao realismo socialista e ressurgiu
no ano de 1988, em Oslo.
Folha - Em 89, você escreveu uma
petição pela liberação dos prisioneiros. O que o levou a ousar isso?
Bei Dao - Escrevi a petição em fevereiro, ao voltar dos EUA, onde
estive para ensinar a língua chinesa. Escrevi por achar que havia
uma energia favorável à reação
contra o autoritarismo do governo. A China comemorava 40 anos
de República Popular.
Folha - Você foi perseguido?
Bei Dao - Por coincidência, deixei a China antes de junho de
1989. Fui a San Francisco em abril
e depois a Berlim, com uma bolsa.
Folha - E você nunca mais voltou
para a China?
Bei Dao - Não pude voltar durante anos. Tiraram-me o passaporte. Só voltei há três anos, porque
meu pai estava muito doente.
Folha - O que significa para você
viver nos Estados Unidos?
Bei Dao - Não tive escolha. Agora
estou acostumado com a Califórnia, já que minha filha estuda lá.
Folha - Como foi que a sua poesia
se tornou conhecida na Europa e
nos Estados Unidos?
Bei Dao - Para dizer a verdade,
não sei. Não sou tão conhecido.
Não acho que os poetas tenham
como ser conhecidos atualmente.
Folha - Mas eu o conheço há dez
anos, através do Parlamento Internacional dos Escritores.
Bei Dao - Fui um dos fundadores
do Parlamento.
Folha - Você sabia que o Brasil teve uma cidade-refúgio?
Bei Dao - Onde?
Folha - No sul, em Passo Fundo..
Graças à difusão das ações do Parlamento pela imprensa e pelos organizadores do Congresso de Passo Fundo, entre os quais há vários
escritores... Gostaria de saber como o Parlamento continua a sua
ação hoje.
Bei Dao - Através de uma revista
publicada em sete línguas.
Folha - Também em português?
Bei Dao - Sim. Você pode ver isso
no website [www.autodafe.org].
Folha - Que diferença há entre a
poesia chinesa atual e a ocidental?
Bei Dao - A nova poesia da China
se parece com a ocidental, ela é escrita em verso livre.
Folha - Mas há diferenças?
Bei Dao - Sim, devidas à língua.
O chinês é mais poético, mais flexível. Para mim, é a melhor língua
para a poesia.
Folha - Num dos seus poemas,
"Requiem", você diz que "a poesia
corrige a vida". O verso me levou a
pensar na relação entre a poesia e a
filosofia.
Bei Dao - A poesia não muda a
vida na superfície, só em profundidade. Muda, por exemplo, a língua, e o que importa não é a quantidade de leitores. O que importa é
o tipo de leitor. São cantores, intelectuais.
Folha - Formadores de opinião.
De quando data a poesia na China?
Bei Dao - O "Livro das Canções"
foi escrito há 3.000 anos. E a educação na China passa pela memorização da poesia.
Folha - A poesia chinesa está imbuída de sabedoria?
Bei Dao - Não sei.
Folha - Você é um sábio?
Bei Dao - Não, eu sou um servidor do sábio.
Folha - E o sábio quem é?
Bei Dao - Não sei.
Folha - Talvez seja a poesia.
Bei Dao - Sim, é.
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