|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Gosto do pragmatismo do teatro"
O premiado Tom Stoppard diz à Folha que reação do público interfere em sua obra, que não é "irretocável'
"Rock'n'Roll", nova peça do dramaturgo, estreia no Rio em abril; autor diz que obra sobre banda tcheca é "pseudoautobiografia"
JULIANA LUGÃO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Tom Stoppard escreve. E só.
O dramaturgo dispensa e abomina rótulos ("peças políticas",
"peças de teatro do absurdo")
que suas peças, não raro, recebem. "Não faço nenhuma dessas coisas. Esse joguete de categorizações não acrescenta nada
à dramaturgia."
Aos 71, sir Stoppard já recebeu quatro vezes o Prêmio
Tony, o Oscar do teatro americano, e sua trilogia "The Coast
of Utopia" [a costa da utopia]
bateu o recorde de prêmios recebidos (sete), que estava com
Arthur Miller e Alan Bennett.
"Rock'n'Roll" (2006), sua
obra mais recente, estreia no
Rio em abril e depois em São
Paulo. A peça estava prevista
para fechar o Festival de Curitiba, mas ontem o codiretor Felipe Vidal disse que isso não
ocorreria (leia ao lado). "O festival não ofereceu estrutura para montá-la", afirmou.
Entre Praga e Londres, num
período que vai da Primavera
de Praga à Revolução de Veludo, Stoppard conta a história da
banda The Plastic People of the
Universe. No epicentro do drama, Jan, o rapaz nascido em
Praga que se muda para Londres. E Max, o velho professor
de teoria comunista em Cambridge. Na trilha, Stones, Dylan,
Plastics. E uma passagem de
um Syd Barrett pós-Pink Floyd.
À Folha ele fala da peça e do
exercício de contar histórias.
FOLHA - "Rock'n'Roll" vai muito
além da música. Como surgiu a ideia
de escrevê-la?
TOM STOPPARD - Aconteceu. Eu
nunca acredito que tenho uma
peça até que um número de
ideias que parecem pertencer a
peças distintas se aglomere.
Essa peça é uma pseudoautobiografia. Quando eu era criança, meu pai, que era tcheco,
morreu na guerra. Se minha
mãe não tivesse se casado com
um inglês, provavelmente teria
voltado para a Tchecoslováquia
comigo e com meu irmão.
Achei interessante escrever sobre o que teria acontecido se tivesse voltado em vez de ter me
tornado um garoto inglês. Ao
mesmo tempo, um amigo tinha
me contado a história do Syd
Barrett, o astro do rock levando
uma vida comum em uma pequena casa no subúrbio.
Quando era jovem, eu tinha
necessidade de saber muito sobre o que estava fazendo. Já
não sou jovem. É muito melhor
encontrar uma pista para entrar na peça e ir em frente, sem
ter muita ideia da estrutura.
FOLHA - E de onde vêm as pistas?
STOPPARD - Não sei qual a técnica de escrever uma peça. Meu
problema, geralmente, é a fala
seguinte. O teatro é uma forma
de contar histórias. A única coisa em que penso é que estou escrevendo para o teatro, e não
para o leitor. Teatro não é só o
texto, é todo o acontecimento.
FOLHA - O sr. participa do processo
de montagem?
STOPPARD - Gosto de ir a todos
os ensaios e faço ajustes nos
textos durante o processo. Para
mim, é a fase final da escrita.
Mas é claro que cada diretor
trabalha de uma forma. Alguns
preferem que você desapareça
por uma ou duas semanas.
FOLHA - A reação da plateia também é parte da escrita?
STOPPARD - É imprescindível
ver a primeira reação do público para considerar uma peça
pronta. Há autores que consideram suas peças irretocáveis
no minuto em que a entregam
para os atores e o diretor. Eu
não. Eu gosto do pragmatismo
do teatro, que é ao vivo.
FOLHA - O sr. diz que o teatro vai
além do texto. Já pensou em dirigir?
STOPPARD - Dirigi acho que
duas vezes na minha vida toda.
Uma vez porque achava covardia dizer não a todos os convites. Depois dirigi uma peça minha, há mais ou menos 20 anos.
E jamais dirigiria novamente se
não fosse uma peça escrita por
mim. Eu sou é muito preguiçoso para dirigir, não me interesso tanto pela natureza do trabalho de um diretor. Além disso
não tenho uma imaginação visual muito boa, dependo muito
dos cenógrafos para imaginar a
mise-en-scène. Tento descrever uma produção hipotética,
mas para ajudar o leitor [quando a peça é publicada], não espero que os cenógrafos levem
em conta essas descrições.
FOLHA - O Plastic People of the
Universe toca ao vivo na montagem
em Praga. Como foi ver isso?
STOPPARD - Foi de tirar o fôlego. No final da peça, o palco é
suspenso aos poucos, e a banda
está tocando ali embaixo. Um
problema do original é que,
idealmente, deveria haver mais
músicas da banda. Mas, no início, ela só tocava músicas em
tcheco, e as letras não fariam o
sentido para a plateia inglesa.
Queria ter feito uma versão diferente para o público tcheco,
acho que teria sido maravilhoso ter mais músicas deles em
vez de americanas e inglesas.
Texto Anterior: Cinema: HSBC organiza ciclo de Próximo Texto: Frase Índice
|