São Paulo, sábado, 27 de março de 2010 |
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Poder da narrativa de Kafka criou adjetivo
"Kafkiano" tornou-se sinônimo de estranho, absurdo ou impenetrável
Parada na fila do banco há
tempo suficiente para perder a
paciência, uma senhora disse:
"Essa fila está kafkiana!". MODESTO CARONE, tradutor brasileiro de Kafka: "A rigor é kafkiana a situação de impotência do indivíduo moderno que se vê às voltas com um superpoder (Übermacht) que controla sua vida sem que ele ache uma saída para essa versão planetária da alienação -a impossibilidade de moldar seu destino segundo uma vontade livre de constrangimentos, o que transforma todos os esforços que faz num padrão de iniciativas inúteis." LAERTE, cartunista: "Li uns contos dele quando era menino e gostava de escrever imitando o que eu achava ser um estilo kafkiano: uma escrita meio despida de estilo, onde coisas surpreendentes (mas não muito) iam acontecendo sem roteiro prévio, e tudo acabava de repente." ELIANA MONTEIRO, diretora da peça "Kastelo", do Teatro da Vertigem, baseada na obra de Kafka: "Kafkianas são as situações de claro e escuro, das intenções que se sabe e que se desconhece. Na peça, explorei a sociedade do trabalho, que é também de controle, onde as pessoas parecem inseridas, mas estão do lado de fora, penduradas." TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ, professor de filosofia e teoria geral do direito da USP: "O adjetivo "kafkiano" aponta para organizações burocráticas a que o indivíduo não tem acesso: processos ou interrogatório que ocorrem sem que se perceba como nem por quê. É sinônimo de uma burocracia que desintegra o indivíduo e que ele não consegue penetrar. E isso acontece frequentemente." OTTO, cantor, cujo CD "Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos" foi inspirado em Kafka: "Kafkiano para mim é um estado de assimilação da obra de Kafka. Li "A Metamorfose" aos 18 anos. Foi um momento meu: como cachorro de uma casa classe média, tive que morder outro na rua. Tinha que virar lata! Agora, aos 41 anos, mergulhei em Kafka de novo. Só ele poderia me ajudar. E ajudou!" ENRIQUE MANDELBAUM, psicanalista e educador: "Há autores que criam uma forma expressiva tão poderosa que ela é capaz de se adjetivar. Kafkianas são situações que se dão em diversos níveis. É a burocracia que compromete a singularidade e a subjetividade. É o poder desumanizado. É a conversa amigável que descamba para uma floresta de mal-entendidos." Texto Anterior: Diários inspiram 3 ilustrações Próximo Texto: Bienal tem como tema Borges e o autor tcheco Índice |
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