São Paulo, Sábado, 27 de Março de 1999
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Festival, novos selos e até uma tese acadêmica enfocam o underground
Rock alternativo

THALES DE MENEZES
da Reportagem Local

A socióloga Valéria Brandini, 26, encarou o desafio de defender uma tese de mestrado na Escola de Comunicações e Artes (ECA), da Universidade de São Paulo, com o título "Rock Alternativo, do Underground ao Mainstream".
Sofrendo resistências do setor acadêmico e também do lado dos roqueiros, ela traça uma evolução da situação das bandas independentes e sua relação com o mercado. A atual condição um tanto efervescente da cena alternativa, com novos selos e bandas surgindo e até um festival organizado (leia textos nesta página), é mais bem compreendida com as argumentações da socióloga.
Valéria trata desde a influência das novas tecnologias de produção musical até a tentativa ainda incipiente de formação de um mercado intermediário de rock no Brasil -como as rádios de faculdades e circuito de shows pequenos que sustentam o rock independente nos EUA.
A autora, que prepara nova tese, agora sobre rock e moda, está negociando a publicação em livro da tese sobre rock alternativo, já aprovada na ECA.
Enquanto isso, o trabalho pode ser conferido na biblioteca da escola (av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, Cidade Universitária).
A seguir, trechos da entrevista de Valéria Brandini à Folha.

Folha - O que motivou você a escolher o tema?
Valéria Brandini -
Eu tive uma vivência dentro do rock que foi bastante difícil. Porque o meio heavy metal, headbanger, é machista demais. A mulher existe como uma figura, não como pessoa. Ou você era como os meninos, entendia de rock, ou era uma "galinhazinha" que estava atrás dos cabeludos. Eu morava no interior de SP, ia para outras cidades para ir a shows. Aí eu comecei a filosofar sobre essa situação incômoda da mulher. Li Simone de Beauvoir aos 12 anos, mudei a minha cabeça e não aceitei aquela situação. Foi aí que começou minha reflexão sobre o rock. Não tenho dúvida de que isso influenciou até a minha escolha no vestibular.
Folha - Então o assunto acompanhou sua vida na faculdade?
Valéria -
Desde o vestibular. Quando prestei ciências sociais na Unicamp, a proposta para redação era analisar uma música do Guns N" Roses, "Paradise City". Eu olhei e delirei. "Tá pra mim." Na faculdade, tudo o que eu lia era direcionado para isso. Eu queria escrever livros sobre rock. Eu estudei Escola de Frankfurt para aplicar aquilo na reflexão sobre o rock.
Folha - Como era a reação de professores a esse seu interesse?
Valéria -
O assunto me acompanhava. Meu primeiro trabalho de pesquisa de campo foi com o Guns N" Roses. Eu conheci o grupo em 1992 e analisei a piração de ser um astro de rock, como é para aqueles garotos estar em um hotel cinco estrelas, cheio de "engravatados", como eles buscavam uma legitimidade naquela confusão que é a vida na estrada. E foi o meu primeiro dez. A antropóloga Alba Zaluar me deu o incentivo. Mas eu senti muita rejeição.
Folha - O meio acadêmico considerava rock um tema "menor"?
Valéria -
Houve resistências, mas eu também tive muitos problemas nas entrevistas com os roqueiros. Os professores não me levavam a sério, mas os músicos não entendiam direito o que eu queria. "O que essa menina está querendo?", pensavam. Acho que imaginavam que eu queria tietar a banda.
Folha - E o que você quis fazer em seu trabalho?
Valéria -
Registrar esse momento que está passando sem que as pessoas se preocupem em refletir sobre ele. Hoje em dia as facilidades para a gravação de um CD são muito maiores do que nos anos 80, mas as dificuldades continuam. Eu acho que as bandas de hoje podem aprender com os erros do passado. Além de músicos, como Clemente e João Gordo, e críticos, como Fabio Massari, eu falei com muita gente que tentou e ainda tenta montar gravadoras alternativas no Brasil, como o Pena Schmidt e o Carlos Eduardo Miranda.
Eu falo muito do Sepultura, que eu acompanho como fã desde o início. Tenho foto com o Max Cavalera e o João Gordo, tirada num McDonald's há dez anos. Mas as pessoas têm de saber que para cada Sepultura que dá certo existe um monte de bandas que ficaram pelo caminho. A história delas pode ser útil para quem está começando.
Folha - Seu trabalho tem uma preocupação de mostrar a evolução das relações das bandas de rock com o mercado. Por que você ressaltou um ordem cronológica nessa apresentação?
Valéria -
A minha tese é dividida em capítulos que mostram as etapas desse processo. Quando eu me formei, eu não entendia mais a cena do rock, as tribos mudaram. A velocidade com que as coisas aconteciam era estranha, as fusões de estilo eram muitas. Senti que tudo estava se modificando e acho que só poderia mostrar a situação atual do rock alternativo se registrasse essa evolução.


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