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Festival, novos selos e até uma tese acadêmica enfocam o underground
Rock alternativo
THALES DE MENEZES
da Reportagem Local
A socióloga Valéria Brandini, 26,
encarou o desafio de defender uma
tese de mestrado na Escola de Comunicações e Artes (ECA), da Universidade de São Paulo, com o título "Rock Alternativo, do Underground ao Mainstream".
Sofrendo resistências do setor
acadêmico e também do lado dos
roqueiros, ela traça uma evolução
da situação das bandas independentes e sua relação com o mercado. A atual condição um tanto
efervescente da cena alternativa,
com novos selos e bandas surgindo e até um festival organizado
(leia textos nesta página), é mais
bem compreendida com as argumentações da socióloga.
Valéria trata desde a influência
das novas tecnologias de produção
musical até a tentativa ainda incipiente de formação de um mercado intermediário de rock no Brasil
-como as rádios de faculdades e
circuito de shows pequenos que
sustentam o rock independente
nos EUA.
A autora, que prepara nova tese,
agora sobre rock e moda, está negociando a publicação em livro da
tese sobre rock alternativo, já
aprovada na ECA.
Enquanto isso, o trabalho pode
ser conferido na biblioteca da escola (av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, Cidade Universitária).
A seguir, trechos da entrevista de
Valéria Brandini à Folha.
Folha - O que motivou você a escolher o tema?
Valéria Brandini - Eu tive uma vivência dentro do rock que foi bastante difícil. Porque o meio heavy
metal, headbanger, é machista demais. A mulher existe como uma
figura, não como pessoa. Ou você
era como os meninos, entendia de
rock, ou era uma "galinhazinha"
que estava atrás dos cabeludos. Eu
morava no interior de SP, ia para
outras cidades para ir a shows. Aí
eu comecei a filosofar sobre essa
situação incômoda da mulher. Li
Simone de Beauvoir aos 12 anos,
mudei a minha cabeça e não aceitei
aquela situação. Foi aí que começou minha reflexão sobre o rock.
Não tenho dúvida de que isso influenciou até a minha escolha no
vestibular.
Folha - Então o assunto acompanhou sua vida na faculdade?
Valéria - Desde o vestibular.
Quando prestei ciências sociais na
Unicamp, a proposta para redação
era analisar uma música do Guns
N" Roses, "Paradise City". Eu olhei
e delirei. "Tá pra mim." Na faculdade, tudo o que eu lia era direcionado para isso. Eu queria escrever
livros sobre rock. Eu estudei Escola de Frankfurt para aplicar aquilo
na reflexão sobre o rock.
Folha - Como era a reação de professores a esse seu interesse?
Valéria - O assunto me acompanhava. Meu primeiro trabalho de
pesquisa de campo foi com o Guns
N" Roses. Eu conheci o grupo em
1992 e analisei a piração de ser um
astro de rock, como é para aqueles
garotos estar em um hotel cinco
estrelas, cheio de "engravatados",
como eles buscavam uma legitimidade naquela confusão que é a vida
na estrada. E foi o meu primeiro
dez. A antropóloga Alba Zaluar me
deu o incentivo. Mas eu senti muita rejeição.
Folha - O meio acadêmico considerava rock um tema "menor"?
Valéria - Houve resistências, mas
eu também tive muitos problemas
nas entrevistas com os roqueiros.
Os professores não me levavam a
sério, mas os músicos não entendiam direito o que eu queria. "O
que essa menina está querendo?",
pensavam. Acho que imaginavam
que eu queria tietar a banda.
Folha - E o que você quis fazer
em seu trabalho?
Valéria - Registrar esse momento
que está passando sem que as pessoas se preocupem em refletir sobre ele. Hoje em dia as facilidades
para a gravação de um CD são
muito maiores do que nos anos 80,
mas as dificuldades continuam. Eu
acho que as bandas de hoje podem
aprender com os erros do passado.
Além de músicos, como Clemente
e João Gordo, e críticos, como Fabio Massari, eu falei com muita
gente que tentou e ainda tenta
montar gravadoras alternativas no
Brasil, como o Pena Schmidt e o
Carlos Eduardo Miranda.
Eu falo muito do Sepultura, que
eu acompanho como fã desde o
início. Tenho foto com o Max Cavalera e o João Gordo, tirada num
McDonald's há dez anos. Mas as
pessoas têm de saber que para cada
Sepultura que dá certo existe um
monte de bandas que ficaram pelo
caminho. A história delas pode ser
útil para quem está começando.
Folha - Seu trabalho tem uma
preocupação de mostrar a evolução das relações das bandas de
rock com o mercado. Por que você
ressaltou um ordem cronológica
nessa apresentação?
Valéria - A minha tese é dividida
em capítulos que mostram as etapas desse processo. Quando eu me
formei, eu não entendia mais a cena do rock, as tribos mudaram. A
velocidade com que as coisas
aconteciam era estranha, as fusões
de estilo eram muitas. Senti que tudo estava se modificando e acho
que só poderia mostrar a situação
atual do rock alternativo se registrasse essa evolução.
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