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CINEMA/ ESTRÉIAS
"O FANTASMA"
Diretor português acompanhou cotidiano dos lixeiros de Lisboa para criar filme que estréia hoje em SP
Longa ronda a brutalidade do desejo
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Durante a noite, lixeiros percorrem uma escura e misteriosa Lisboa. Por passar despercebido do
cotidiano da cidade, o microuniverso dos catadores de lixo foi escolhido pelo diretor português
João Pedro Rodrigues, 34, como
base para o polêmico "O Fantasma", que estréia hoje em SP.
"Aquelas pessoas praticamente
não existem, são como fantasmas.
Seu mundo, que só existe no escuro, foi o ponto de partida para eu
abordar a brutalidade do desejo
sexual", disse.
Desde sua estréia internacional
em Veneza, ano passado, o filme
tem levantado polêmica pela forma violenta com que mostra o sexo e aborda a obsessão e a rejeição. A trama segue Sérgio (Ricardo Meneses), um lixeiro homossexual, em sua perseguição e observação de seus objetos de desejo
no meio da escuridão lisboeta.
O diretor falou com a Folha na
última terça-feira, durante sua
passagem por São Paulo. Leia os
principais trechos da entrevista.
Folha - O filme tem causado polêmica pelas cenas de sexo. Era essa a
discussão que queria levantar?
João Pedro Rodrigues - Não. A
polêmica me é estranha. Não fiz o
filme para fazer escândalo. Minha
preocupação era como filmar o
desejo, como filmar um corpo. E o
desejo que queria retratar era um
desejo brutal. Sabia que ia causar
polêmica e não posso ser ingênuo
achando que não iria incomodar
as pessoas, só que tive de ser brutal para dar à procura do personagem as cores de sua solidão e de
seu desespero.
Folha - O desejo que você buscava
era um desejo sem amor, não é?
Rodrigues - Sim, não se trata de
um filme muito romântico. A dificuldade do protagonista (Sérgio)
aparece justamente quando há
um esboço de sentimento e ele
não sabe que palavras usar.
Folha - O filme, aliás, é muito silencioso, quase não há diálogos.
Rodrigues - Sim, é o grande drama de Sérgio. Ele só consegue se
aproximar do rapaz que deseja
por meio da violência. O caminho
que constrói é composto de outras relações que são cada vez
mais brutais. Ele age como se estivesse à caça, agarra a presa, arrasta até seu esconderijo e depois não
sabe o que fazer com ela. Porque a
partir daí teria de haver diálogo, e
ele não consegue enfrentar isso.
Folha - Por que Lisboa aparece de
forma quase abstrata?
Rodrigues - Ela tinha de ser abstrata para se parecer um pouquinho com o que há na cabeça de
Sérgio, é quase imaginária. E é
também a Lisboa do meu imaginário. É a parte dela de que mais
gosto, da fronteira entre o campo
e a cidade. As cenas foram feitas
no norte de Lisboa, ali ela não parece ser uma grande cidade.
Folha - Você demorou para achar
seu protagonista, por que?
Rodrigues - Para o personagem
de Sérgio eu procurava, antes de
tudo, um corpo. Quando vi o Ricardo Meneses, disse: é este. Acabei mudando um pouco a trama
para que combinasse com o corpo dele, com o olhar dele.
Folha - O corpo determinou a história, então?
Rodrigues - Sim, ele é muito importante. Para mim, o cinema é
sempre como filmar um determinado sítio com determinados corpos e contar uma história.
Folha - O filme será exibido no
Brasil com legendas. O que acha?
Rodrigues - Acho que causa confusão e fico surpreso com o fato
de que as pessoas no Brasil não
percebem o que digo, que não estão familiarizadas com o português de Portugal. Mas se as legendas ajudarem as pessoas a entenderem o filme, tudo bem.
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